A FEB, O PIAZITO E O TEMPO

Fala mais alto o canhão

na voz soturna da guerra,

já longe de nossa terra

fala alto a Artilharia,

mostrando sua boa pontaria

com fogos de amaciamento,

setembro, dezesseis, vento,

frio, lá na Itália bravia.

O combate foi sangrento

é o que sempre se ouviu,

porém, Camaiore caiu

a dezoito de setembro,

nossa FEB já era membro

das Forças Aliadas lá,

só se ouvindo o rá-tá-tá

de canhoneiros afoitos.

Os Escalões dois e três

ainda em setembro partiram,

oceano a dentro sumiram

orgulhosos e vibrantes,

a maioria eram Infantes

mudando de Continente,

levando o Brasil pra frente

com a Bandeira triunfante.

A vinte e três de novembro

numa grande comoção,

da FEB, o Quarto Escalão

lá para a Itália partia,

manhã principiando o dia

lenços brancos acenando,

milico e povo chorando

numa triste sinfonia.

Corria o ano quarenta e quatro

pouco depois de setembro,

era sete de dezembro

o início da caminhada;

O Brasil na Força Aliada

lá na Itália combatia;

Enquanto na Vacaria,

nossa estória era marcada.

Era um dia de veranico

Lá pelo oitavo distrito,

lembramos muito contritos

do Rincão do Refugiado,

num rancho de chão barreado

com minha mãe eu nasci,

lá mesmo foi que aprendi

a querer meu chão sagrado.

Embaixo dum pé de pera

vieram-lhe as primeiras dores,

lembrou-se então dos amores

ternamente cultivados,

o meu pai ficou cismado

pois era o primeiro herdeiro,

preparou-se bem ligeiro

e saiu num pingo malhado.

Depois, vieram-lhe outras dores

antecedendo o nascer,

o meu pai saiu para ver

e bem depressa chamar,

a parteira pra ajudar

no trabalho do guri,

mas a mãe diz que nasci

antes da dita chegar.

Foi um tal "Deus nos acuda"

a mãe era inexperiente,

meteu-me um gole meio quente

de chá, diz que pra chorar,

mas eu fiz foi me calar

e na testa nasceu a veia,

- deve estar pronto à peleia –

minha mãe pôs-se a pensar.

Ao voltar, pai se espantou

pois eu já tinha nascido,

a mãe tinha me parido

já estava repousando,

então, olhava me achando

parecido com um pinto,

tendo o mesmo velho instinto

eu me parei embodocando.

Nasci e fui procurando

como que busca uma nota,

vi ali um par de botas

apesar de prematuro,

eu calcei-a no meu futuro

na estrada longa da vida,

buscando a sorte corrida

com jeito de lombo duro.

E depois, uma bombacha

meio folgada me vestiram,

me olhando todos se riram

pela cara que eu fazia,

de tardezita chovia

os campos todos molhando,

era o outono que passando

mostrava sua rebeldia.

Fevereiro, era vinte e um

do ano de quarenta e cinco,

a FEB com muito afinco

Monte Castelo tomou,

também em abril retroou,

quatorze, precisamente,

e a fibra da nossa gente

em Montese dominou.

A vinte e sete de abril

de Colecchio chegou a vez,

mantendo a mesma altivez

defendendo nosso povo;

Eu sei que a gema vem do ovo

como as águas vão pro mar,

vinte e oito a repinicar

na tomada de Fornovo.

No ano de quarenta e quatro

no mês de maio, oito, era o dia

estrondou a voz da alegria

replangente, alvorotada,

e da paz, a Bandeira içada

tremulava na amplidão,

povo voltando à razão

a guerra estava acabada.

E o piazito continuava

no caminho de crescer,

dando muito que fazer,

era bastante adoentado,

a cor do lenço encarnado

era a cor do coração,

a mesma cor que o pai João

tinha ao pescoço amarrado.

Por isso admirava tanto

aquele jeito de ser,

dos que não mandam dizer

mas fazem no soflagrante,

levando tudo por diante

por bem ou mesmo por mal,

deixando sempre o sinal

humildemente elegante.

Hoje já me vai meio século

pelo Brasil estradeando,

meu pai já está cantando

na Querência do Senhor,

orelhando com ardor

mexendo o canto da boca,

gritando com voz já rouca

botem contra a minha "flor''.

Até logo, me despeço

rogo a Deus Nosso Senhor,

quero um pingo de valor

pra Celeste campereada,

eu quero a Bandeira içada

ao minuano drapejando,

quero o Rio Grande cantando

à minha última tropeada...

Manaus-AM, 16 Setembro 1994