POLÍTICA, PANELA QUE MUITOS MEXEM !

De um realismo MACUNAÍMICO, escrito por volta de 1915, este CORDEL serve como uma luva PARA OS DIAS ATUAIS e desmoraliza qualquer discurso que defenda A POLÍTICA como fator de mudança de qualquer coisa, na minha opinião, pelo menos. Boa parte dele eu declamei em "ensaio" de um evento de 1990, em Belém, cujo registro se encontra em meu "espaço" no YOU TUBE.

"NATO" AZEVEDO (escritor e compositor)

(fonte... www.casaruibarbosa.gov.br/cordel/leandro.html )

OBS: acessar em titulos a letra S, depois SECCA DO CEARÁ (são 2 cordéis com o mesmo título), no número de série LC 7038.

OS GUIZADOS DA POLÍTICA

Panela que muitos mexem

I

Não há quem possa entender

esta política atual.

Tudo se queixa a um só tempo,

tudo maldiz-se em geral.

Vem quebrar o pau nas costas

do Governo Federal.

I I

Porque vê-se uma Bancada..

1, 2, 3 querem de um jeito,

quatro, cinco, seis ou sete

acham naquilo um defeito.

Oito, nove, dez e onze

acham que não está direito.

I I I

Um diz: eu quero é assim.

Diz outro: eu quero é assado.

Diz outro: eu quero é cozido.

Diz outro: eu quero é guizado.

Outro diz: eu quero é cru.

Diz outro: eu quero é queimado!

I V

O Brasil de hoje está

parecendo uma panela.

A Política, cozinheira,

está tocando fogo nela,

mas tem mil mortos de fome

por ali, ao redor dela.

V

Aquele que tem mais força

chega com o quengo maior.

Aquele, fraco e mirrado,

traz um quenguinho menor.

Vem tarde, se mete o quengo,

toca-lhe o caldo pior.

V I I I

Diz outro: eu quero a panela,

é para o lado de cá.

Outro lhe diz... não, senhor,

se está aí, deixa estar.

Diz outro: eu quero é alí!

Diz outro: eu quero acolá!

I X

Um vem, puxa pelo beiço

e outro pela barriga.

Outro agarra pelo fundo

e nisso vai uma intriga.

É como cachorros juntos...

vem terminar numa briga !

X

Enquanto fulano briga,

diz, sicrano, eu me aproveito.

Pedro corre atrás de Sancho,

Paulo cá procura o jeito.

Vai ao cofre da Nação...

lá fica o buraco feito !

X I

Diz Paulo: quem fez foi Sancho,

mas Sancho diz que não fez !

O Thesouro Federal

fica roubado de vez.

Aí não pode haver crime...

porque foi dado entre 3 !

X V I

Foi o mesmo co'a Política

desse Governo atual, (OBS: 1916)

"o Brazil é a panella"... (sic)

o Estado bota sal,

o Município tempera,

mas quem come é o Federal !

X V I I

E desde o princípio anda

uma história espalhada.

Pouca herança e muito herdeiro,

um herda muito, outro nada.

Panela que muitos mexem

sai insossa ou salgada.

X V I I I

E o Brasil é a panela

que 'inda ninguém graduou-a.

Afonso Pena mexeu-a,

Nilo Peçanha salgou-a.

Hermes agora botou água...

dessa vez, sim, desgraçou-a!

X I X

E ninguém pode entender

o juízo que se faz.

Um diz: ela estava insossa,

Nilo botou sal demais.

Hermes botou água e diz

"o êrro já vem de atraz!" (sic)

X X

Quem se incomodar, se mude,

quem não gostar coma menos.

O mais que faço é dizer:

faça os bocados pequenos!

Vá plantar feijão macaça,

que dá em tod'os terrenos.

X X I

Eu não tenho o que fazer

e não afroxo a panela.

Vem um, bota sal demais,

outro destempera ela.

Outro bota sal de novo,

querendo se apossar dela.

X X I I

Correm dez ou doze atrás

de uma só candidatura.

A Cadeira é uma só

e, êles, essa fartura.

Durmir c'um barulho desses

nem mesmo o Diabo atura!

X X I I I

O Brasil é um burro velho,

que já está de barba branca.

Tanto peso em cima dele,

esse desgraçado estanca.

O Rio montou no meio...

São Paulo saltou na anca.

X X V I

Diz aí Minas Gerais:

"assim eu monto também

e, se eu não montar nele,

também não monta ninguém".

O Rio Grande do Sul

bota as esporas e vem!

X X V I I

O burro, magro das lutas

e pela idade caduco,

com 4 Estados em cima,

lá vem também Pernambuco.

Ouve Maceió dizer:

"eu vou, que não sou maluco"!

X X V I I I

Manaus, Pará. Maranhão,

Ceará e Mato Grosso...

uns saltam-lhe nas orelhas,

outros montam no pescoço.

Outros entram pelas ventas,

chupam-lhe osso por osso!

X X I X

O Acre diz: "eu também

tenho razão de falar.

Dou muito capim ao burro,

tenho direito a montar.

Toda borracha daqui

vai para o burro estragar".

X X X

O que há em minhas zonas

vai pro Rio de Janeiro

e o Estado Federal

não gosta de seringueiro.

Daqui para lá vai ouro...

de lá só vem desordeiro !

X X X I

Marinheiros revoltosos,

indivíduos deportados,

batedores de carteiras,

sujeitos mal comportados.

Jogadores e assassinos...

entes mal recomendados.

X X X I I

O Ceará, coitadinho,

não tem a quem se queixar.

Lança as vistas para o burro,

porém não pode montar.

Só se um dia, apodredecido,

também pudesse o pegar.

X X X I I I

Bahia, Rio de Janeiro,

São Paulo e Minas Gerais...

esses dizem: "o burro é nosso,

a ninguém pertence mais".

Diz Porto Alegre: "isto é

filho dos meus Arsenais!"

LEANDRO GOMES DE BARROS

(trechos do cordel de 1916, acervo da

CASA RUI BARBOSA, item LC7038)