"A BANDA"

Fervilha sobre as calçadas

uma grande multidão...

... que a banda já vem chegando,

com seus feitiços de som...

Quem manda e desmanda a banda

é a batuta que comanda...

De repente,

atira um gesto...

Risca o ar...

Brota a magia...

E a explosão da sinfonia

salta das mãos do maestro!

Na rua, o povo apinhado

farfalha aplausos,

e a banda surge, tocando um dobrado!

Pare tudo o que trabalhe

pra ver e ouvir a retreta!

Pare a costura na agulha!

No papel, pare a caneta!

Pedreiro, largue a argamassa!

Não faça pão, “seu” padeiro!

Pare de riscar a terra

o ancinho do jardineiro...

Que não se escute na tábua,

o prego do carpinteiro...

Que as nuvens façam feriado,

suspendendo o chuvisqueiro...

Que haja um rosto na vidraça,

porque a banda, agora, passa

num festim alvissareiro!...

Vem a banda em sarabanda,

com metais enrondilhados

nos pescoços dos soldados...

Deus, tirando o sol do armário,

jogou-o dentro da amplidão...

Neste dia extrordinário,

vêm coturnos pontilhando

com seus compassos binários,

a partitura do chão:

“Bate passo e contrapasso,

vem batendo em marcação...

Bate pé, mais outro pé...

Firme, bate o pé no chão...

Pé direito... Pé esquerdo...

(um irmão com outro irmão)

têm batidas de martelo,

têm pancadas de pilão...

Um e dois – levanta a perna...

Três e quatro – a perna abaixa...

E os coturnos vêm pisando,

rechinando,

pisoteando

tudo o que no chão se acha...

Pedregulho solta arrulho

do solado de borracha...

Só o milico da caserna

ficou fora desta marcha...”

Ouve a banda como é bela!...

De cada nota que solta,

salta pra o céu uma estrela!

Que as casas abram as portas!

Que se escancarem janelas!

Que o silêncio atrás das bocas

ponha trancas e tramelas!

E caia, em jorro imortal,

um dilúvio musical

de marchas, maxixes, frevos,

dobrados e tarantelas!...

Quem tem olhos lance olhares

por sobre a banda que vem

desfraldando pelos ares

a intensa polifonia

nas cores da sinfonia,

que o som tem cores, também!

Vem rosnando o BOMBARDÃO

num redondo som bonacho,

e o ronco pesa tão grosso

que o BOMBARDÃO ronca baixo.

Neste embrulho de barulho,

enrolado em alvoroço,

vem com a voz oca de poço,

pondo quase o mundo abaixo...

Toda a família dos sopros

um viveiro traz em si:

vem araponga, sabiá,

cotovia, tangará,

pintassilgo, rouxinol,

seriema, curiango,

saracura, bem-te-vi...

Num bailado de asas, fogem

em corrupios de escarcéu...

Esse som que a banda solta

manda os pássaros de volta

que vão cantar pendurados

lá nos poleiros do céu...

Vem fungando o CONTRABAIXO...

Funga, funga que se racha...

Embuchado no seu bucho,

coaxa o sapo de um riacho.

Sobe a banda rua acima...

Desce a banda a rua abaixo...

CONTRABAIXO vem atrás;

Dona TUBA vem ao lado...

Dona TUBA se estrebucha,

arfa o peito, arqueja, murcha

e uma queixa desembucha

num clamor apaixonado...

É que o “senhor” CONTRABAIXO

não quer ser seu namorado.

Vem que vem o BOMBARDINO,

bafejando o bombardeio

das baforadas de um hino,

que o hino, criando asas,

quanto mais toca, mais voa

sobre o povo, sobre as casas,

sobre as árvores das praças,

sobre as águas da lagoa...

Pela voz do BOMBARDINO,

foge um anjo que abençoa...

Deixa a sorte de ser má,

porque a música é tão boa.

Já o TROMBONE espicha o beiço

e cospe pelos metais

o som que alimenta a fome

dos ouvidos, e o TROMBONE

se emociona e toca mais...

Vem desfiando fios de brisa

a garganta cristalina

da CLARINETA que, quanto

mais canta, mais ilumina

de espelhos relampejantes

que se soltam saltitantes

da aguda voz de menina...

A TROMPA, encaracolada,

em suas carnes de metal,

vem desenrolando da alma

um novelo de gemidos

que gemem tão parecidos

com essa orquestra de soluços

que chora em prantos avulsos

a mulher sentimental.

Sinuoso SAXOFONE,

de corpo serpeando um “S”,

canta alto e comovido,

que a música mais parece

que não é música, é prece

que ele reza em seu mugido...

Treme pedra, treme poeira,

treme pó no preto asfalto...

Tremem trinos na zoeira

do SAX-TENOR trinando

em dueto com o SAX-ALTO...

No mastro, treme a BANDEIRA,

BRASILMENTE,

BRASILEIRA;

e, em tremenda tremedeira,

num tremor de reverência,

até o céu faz continência,

fardado de azul-cobalto...

A banda é a voz da verdade,

e a verdade não tem véus...

Quando a banda está tocando,

não é a banda... É Deus cantando

pelos teatros dos céus...

PRATOS vêm batendo guisos

em gargalhadas de risos

que explodem como cristais,

saltando estrelas quebradas

dos cacos que dão risadas

de metais contra metais...

Saltam chispas de batidas

nas batidas do TAROL

que parece um sol pequeno

embaixo do próprio sol.

Mas, quando o TAROL troveja,

se disfarça de bandeja

e obsequeia algazarras

de um campo de futebol...

Surram-se peles de touros

esticadas nos tambores,

berrando estrondo de dores,

no brete estreito da rua...

De repente, arranca o vento

tanta luz do firmamento

que joga, em cada instrumento,

a prata branca da lua...

Vem o BUMBO ritmando

resmungos no vozeirão,

como se fossem conselhos

de um velho sábio tão bom

que traz, nas rugas da voz,

rugas de papel crepom;

e, das pancadas do BUMBO,

saltam tosses de trovão...

Descem pancadas no lombo

do SURDO, e o SURDO, em terror,

sentindo tal desagravo,

apanha feito um escravo,

tendo seu corpo algemado

na senzala de um tambor.

Com grande roupão de sombras

a tarde então se encobriu...

A banda já foi embora...

O povo também sumiu...

E a velha noite, enrolada

num fofo xale de estrelas,

rezando orações de vento,

de tão cansada, dormiu!!!

17/08/2006

Ítalo Zailu Gatto

Italo Zailu
Enviado por Italo Zailu em 30/03/2009
Reeditado em 03/04/2009
Código do texto: T1513464