BERNARDO DE CARVALHO E AGUIAR - O PACIFICADOR
BERNARDO DE CARVALHO E AGUIAR – O PACIFICADOR
José Omar Brasil – ACALE – Acd. Campomaiorense de Artes e Letras
Cedo nos anos, ainda...
todavia, entediado pelas depauperantes
e delongadas lutas pacifistas
executadas a mando da Coroa1
frente à nação indígena Crateús2
na longínqua e desabitada Capitania de Pernambuco,
do lado de lá da Serra da Ibiapaba3,
o português Bernardo de Carvalho e Aguiar4
ouvindo a voz interior,
retrocedendo às origens,
do convívio secular
com a natureza e a labuta com o gado,
ignorando aos mandados da Casa da Torre5,
dispensou o regimento, o galardão,
o fardão militar
e as demais honrarias;
vestindo o macio gibão6 e perneira6,
fez a juntada dos apetrechos
e empreendeu a longa jornada,
vindo fazer morada
nos distantes e verdes rincões sertanejos
onde predominavam a perder de vista
extensas e encantadoras campinas
entremeadas por caatingas7, carnaubais8,
agrestes9 e chapadões10,
as abundantes e caudalosas águas
do surubim11, jenipapo11 e longá11,
situando ali com sua gente
o curral Bitorocara12,
freguesia de Santo Antonio do Surubim,
atual Campo Maior,
marco primordial da civilização
dos sertões do norte
da Capitania do Piauí...
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1-Coroa – O poder monárquico representado por pessoas de inteira confiança do Rei (monarca) para administrar as colônias portuguesas.
2-Crateús- Nação Indígena exterminada no período colonial. No território instalou-se a povoação, depois cidade de Príncipe Imperial, atualmente Crateús, pertencente ao Ceará. Por questões políticas territoriais, já no século XX, foi feito uma permuta entre os Estados do Piauí e Ceará: Luis Correia e Parnaíba (zona litorânea) passaram a pertencer ao Piauí.
3-Serra da Ibiapaba- Maciço rochoso que se estende até o Estado de Pernambuco e que separa o Estado do Piauí do Estado do Ceará.
4-Bernardo de Carvalho e Aguiar- (segunda metade do sec. XVII) –Português, de família nobre da Vila Pouca de Aguiar. Espírito aventureiro e idealista, ainda jovem, juntou os cabedais que lhes cabia, tomou os mares rumo ao Brasil, instalando-se na Bahia, onde casou e constituiu família. Pela vontade de conquistas que incendiava-lhe, pouco se firmou. Deixando a família, adentrou para os sertões do Vale de São Francisco. A partir de 1690, como militar, optou pelo desbravamento territorial da colônia, sendo enviado em missão de combate aos índios rebeldes da nação Percatis, médio São Francisco (Capitania de Pernambuco). De volta à Bahia, após em breve período, em 1691, foi designado para dirigir uma nova missão, desta feita como pacificador da nação Indígena Crateús (parte ocidental da Serra da Ibiapaba), cujos índios sentindo-se encurralados pelo branco usurpador, resistiram à invasão. Vitorioso na campanha, Bernardo de Carvalho e Aguiar, nos fins de 1692, tomou uma brusca e resoluta decisão, talvez por saudade de suas raízes, por cansaço ou, por alguns de seus contemporâneos terem tomado outros rumos, simplesmente deixou as honrarias, as medalhas e adentrou pelos sertões rumo ao leste, ultrapassando a Serra e instalando uma fazenda de gado na Capitania do Piauí no lugar de promissores brejos, região que hoje é São Miguel do Tapuio, conhecido na época como Cabeça do Tapuia, visto que naquele local, em 1608, houve um massacre entre os Tacarijús e Tabajaras em vingança pelo também massacre do Padre Francisco Pinto, missionário Jesuíta, pelos índios Tacarijús. Em 1695, após uma curta temporada na Cabeça do Tapuia, passando essa feitoria ao administrador, Bernardo mais uma vez tomou a direção do poente vindo fincar a bandeira da conquista numa região que lhe encheu os olhos, propícia para a criação de gado; uma imensa e verde planície, cercada de carnaubais, capões de mato e rodeada de rios caudalosos, batizando-a de Bitorocara, hoje Campo Maior-Piauí. Pela breve, porém gloriosa história militar e pela necessidade de manter a feitoria, logo Bernardo de Carvalho e Aguiar foi designado pelo então Governador do Maranhão(período que o Piauí estava subordinado àquela Capitania) como Mestre-de-Campo das conquistas do Maranhão e Piauí-(Pacificador), desbravando daí então todo o norte do Piauí, inclusive o Delta do Parnaíba. Bernardo, além de fazendeiro, cumpria com esmero e lealdade as obrigações militares, fazendo de Bitorocara também de Araial e ao seu redor, por motivo de segurança, logo se instalaram quarenta fazendas de gado. Por questões de intrigas causadas pela patente de Mestre-de-Campo pelo Governador do Maranhão, Bernardo de Carvalho e Aguiar foi perseguido pelos poderosos da Casa da Torre. Decepcionado, sozinho, apenas com os amigos índios, após trinta e dois anos, deixou Bitorocara, na época já Freguesia de Santo Antonio do Surubim, indo residir na Fazenda São Bernardo de sua propriedade na Capitania do Maranhão, onde faleceu em 1730.
Nota do autor: “Apesar dos costumes da época e das críticas injustas que depois lhe fizeram, Bernardo de Carvalho e Aguiar não combatia os selvagens com vistas às presas de guerra, que poderia ser escravizadas ou vendidas. Seu objetivo era tão somente afastar o gentio das proximidades dos currais. As presas de guerra ele as entregava ao Capitão-Mor, embora fizesse a guerra à sua custa”.
5- Casa da Torre- Maior Feudo das Américas, instalado na Capitania da Bahia no séc. XVI por Dias D’ Ávila, protegido do Rei de Portugal e afilhado do Governador Geral Tomé de Sousa que, durante duzentos e cinqüenta anos, só fez se expandir ao longo de dez gerações dos seus senhores proprietários pela quase totalidade do nordeste, incluindo o território do Piauí. Representou grande poder militar no período colonial, ajuda sem a qual essa região do Brasil possivelmente teria sido anexada à França ou Holanda. Responsável a sangue e a ferro pelo desbravamento das Capitanias de Pernambuco, Bahia e Piauí. A partir de 1778, esteve envolvida nas lutas pela Independência do Brasil, tendo muitos de seus membros agraciados com títulos de nobreza pela monarquia. Pioneira na pecuária brasileira colaborou com a expulsão dos jesuítas do Brasil, participou na corrida pelo ouro que culminou nas descobertas das minas em Minas Gerais e teve entre seus membros adeptos dos ideais libertários da Revolução Francesa.
6-Gibão e perneira-Vestimenta de couro curtido de boi própria do vaqueiro nordestino.
7-Caatingas-(caatinga)- Vegetação do nordeste composta por pequenas árvores, geralmente espinhosa e retorcida, perdendo totalmente as folhas no período da estiagem.
8-Carnaubais-(carnaúba)- Palmeira de grande porte nativa do Nordeste, sendo a maior produtora o Estado do Piauí. Conhecida como a “Árvore da Providência”, visto que tudo dela se aproveita, desde o caule nas construções de casas, currais; seus frutos usados como medicamentos e substitutivo do café e artesanato e principalmente a folha, onde é extraído o pó (ouro ou Pardo) que após a industrialização (cera da carnaúba) é exportada para a aplicação nos mais diversos fins, desde medicamentos, tintas e vernizes até CDS, etc... A folha ainda é utilizada na substituição de telhas, artesanatos e adubos orgânicos.
A carnaúba nas décadas de 30 à 60 foi a grande e a maior alavanca da economia do nordeste, entretanto, por falta de força e vontade política, entre outros motivos, essa importante matéria-prima caiu em desvalorização.
9-Agrestes-(agreste)- Região do nordeste, entre a mata e o sertão, caracterizada pelo solo pedregoso, arenoso, de vegetação escassa e de pequeno porte.
10-Chapadões-(chapada)- Planície de vegetação rasa, sem ou com poucas árvores.
11-Surubim-Jenipapo-Longá- Rios que banham grande parte da região norte do Piauí, em especial o município de Campo Maior.
12-Bitorocara- Casa do Português, encontro dos rios ou a segunda morada.
Bibliografia- Bernardo de Carvalho e Aguiar:
-BERNARDO DE CARVALHO – Padre Cláudio Melo – 1988 - Universidade Federal do Piauí – UFPI.