POEMAS DOS AÇORES


O PENDÃO

O azul
É céu e mar
Dossel e leito
Onde dormitam
Nove estrelas de ouro...

O branco,
Rendas de espuma
Com que os franjou
O Criador...

Pairando,
De olhar terrível,
Fixo,
Irreversível,
Livre,
Protege as nove irmãs
Prístino Açor.






O INFANTE

Contempla...
Este, de cujo sonho
Que imanece,
O olhar transcende
E apetece,
Erecto,
Viril
Potente...
A desvendar os longes
Da distância
E a fecundá-los.

Se fosse grego
Teria sido um deus
De homéricos talentos
E Lavores...
Nosso,
Que seja só
E sumamente,
O Pai que nos legou
A Pátria Açoriana,
O mito que nos una e o valor!






A INFANTA

Beatriz foi teu nome
E tua sina,
Que te chamou assim,
Desde menina,
A ser senhora e dama
Da trágico-feliz linha ducal...
E a ser da lusa chama,
A ara e a vestal.

Nos teus joelhos,
Brincaram dois impérios...
Sorriram dois destinos
Pequeninos
Com que quiseste unir
Dois hemisférios...

O teu seio fecundo concebeu
A um que, por ventura,
Herdou meio mundo,
E a outro que o perdeu,
Por desventura.

Mas foi no coração que te nasceu
Todo o amor de mãe
Com que velaste
A infância da Pátria Açoriana...
Que nos criaste
E nos legaste...






O MAREANTE

E de ti, Gonçalo Velho,
Que lhes digo?

Que foste tu que rompeste,
Ao singrar da caravela,
Aquele silêncio antigo,
Qual manto primordial
Feito dossel nupcial
Da minha Pátria donzela...

Que foste tu que fizeste
Ser
Esse sonho que te fez
Lídimo tronco lusíada
Deste Povo
Teu e meu.

Que foste tu que vieste
E que trouxeste,
Vindo
Na esteira do Sol,
Comendador de Almourol,
Monge guerreiro de escol,
Servindo,
Deus e o nosso destino...






O HERÓI

Eis outro que o céu assinalou
Com nome ilhéu
Para que o destino no-lo trouxesse,
Trazendo
A chama agonizante
Da Pártia Lusitana,
E a confiasse
À guarda filial dos nossos lares...

E assim,
A mui nobre e leal cidade de Angra
Veio a ser capital de Portugal
E dos seus feitos...

E a voz de Ciprião de Figueiredo
O eco deste Povo que, sem medo,
Gritava ao espanhol,
Usurpador,
E ao mundo inteiro:
Antes morrer livres
Do que em paz sujeitos!






O BERÇO

Oh terra açoriana,
Mãe doce, mãos de espuma
E carícias de sal,
Ninguém te pode amar como eu te amo,
Que só amor de filho é filial...

Chamem-te muito embora Portugal...
Eu que nasci de ti
E te conheço
Sei muito bem
Qual a distância do meu berço
Ao pátrio domicílio
Original.






O CONTINENTE

Oculto na palavra existe um mito
Que traz cativo o povo açoriano...
Há que rasgar este grilhão maldito
E resgatar o sonho
E a verdade.

Não nos oprime a glória do que fomos
Nem a honra de sermos o que somos
Oprime, sim, esta tutela antiga
Que não nos deixa ser em dignidade
Aquilo que nós somos de verdade.

Contente-se em conter-se o “continente”
Contendo cada qual o que contém
Liberte-se a palavra deste engano,
Que o nosso continente é o Oceano!






O FAIAL

O Faial fê-lo Deus terra de pão,
Talhou-lhe lombas de festivo porte,
Imensos milheirais—chão fundo e forte...
E para o fazer feliz, fê-lo varão.

Deu-lhe depois por noiva e por brasão
A Horta, princesinha que do norte
Lhe trouxe para ser sua consorte,
O pai flamengo e nobre capitão.

E em seu amor fecundo e varonil,
Ela cresceu em graça senhoril...
Fez-se mulher, foi mãe e até foi monja...

Enleio de poetas que a cortejam,
De aventureiros nautas que a desejam
E tudo sem desdoiro e sem lisonja..






AS FLORES

Depois de todas feitas, no final,
Num gesto de ternura e nostalgia,
Deus fez as Flores ao cair do dia...
E, ao vê-la tão formosa e divinal,

Encheu-se Deus de enlevo paternal,
E num sorrir travesso que antevia
Ditoso namorado que viria,
Bordou-lhe a ponto-cruz, por enxoval,

Dossel de hidrângeas em que a reclinou,
Adormecida em trajes de noivar,
Para aguardar seu príncipe cortês...

E bela adormecida assim passou
Das mãos, de Deus num sono milenar,
Para os braços dum marujo português.






O CORVO

Dum nadinha de barro que restou
Na palminha da mão do Criador
Modelou dele o Corvo, com amor,
E, de mansinho, a mão no mar baixou...

De pequenino que era, flutuou...
Então, com o seu dedo indicador,
O mergulhou nas ondas o Senhor,
E a marca da dedada lá ficou...

E disse Deus: vou deixar esculpido
Em rocha, um cavaleiro, o braço erguido
Apontando para o Oeste o Novo Mundo.

Há-de esperar aqui Côrte-Real
Para lhe dar de mim certo sinal
Do meu desígnio grande e profundo...






A PEDRA DE DIGHTON

Eu tenho um outro amor que me nasceu
Dum sonho que sonhou Corte- Real
E se esbateu nos longes da distância
Por onde transcendia Portugal...

Desta mensagem que encerra
Miguel
O teu nome impresso
Nesta pedra sem regresso
Marco padrão seputura
Epitáfio assinatura
Princípio fim limiar
Deste vai-vem secular
Do teu povo meu
Ilhéu...

Terra de Corte Reais,
Décima Ilha encontrada
No tempo espaço dispersa
Um tempo feito destino
Destino da nossa gente
Um espaço desfeito em ânsia
Destino da nossa errância