Lisboa estremece ainda.
os olhos estremunhados do dia
húmidos de maresia
reabrem só um nadinha
em cada pedra lavrada
calçada entretecida
de calcário e basalto
como se possível fora
espreguiçar a modorra
descendo a nua ladeira.
lá em baixo o Tejo brilha
qual estrela matutina
que se fizesse nua água.
já muitgos andam na faina
das gaivotas às varinas
e às vendedeiras de frutas
as floristas, em braçadas,
levam cravos e gladíolos
para florir o Rocio.
na rua o passo tranquilo
a pouco e pouco se apressa
é o Metro, é o combóio,
o autocarro indisposto
discute com o Eléctrico
ó pá, vê se sais do trilho!
e ri-se o seguro amarelo!
zomba o pirralho alçado no estribo
com a mochila a tiracolo!
um polícia meio morto
puxa pelo assobio
mas já sai tarde o apito...
Lisboa corre entretanto
fica a magia em suspenso
até ser hora de almoço
ficam os olhos absortos
a contar contos e contos
que nunca hão-de ser nossos
nosso é o vazio cá dentro
esperando a hora de almoço
uma sandes e um copo de tinto
mas ai...olhos postos no imenso
rio a embalar os barcos
que trazem cores doutros mundos
e levam os nossos sonhos!