Cabelo branco
outro dia vi um bendito cabelo branco em minha cabeça
"ora se já não eram horas de chegar" - pensei
tenho me sentido velho faz um bom tempo
pelo menos desde que comecei a sofrer, que coincide com o momento que comecei também a pensar
mas só agora algo pode atestar que não se tratava de velhice psicológica
é velhice real, de fato! com cabelinho branco e tudo.
a coluna ainda não dói tanto, mas dizem que depois dos fios brancos e a falta de vergonha na cara
a coluna capenga é o terceiro sinal de velhice;
minha vó Regina ainda tem a coluna boa, é fato
mas a cabeça é toda branca e ela aparentemente não liga se a escutam peidar pela casa em peidos sonoramente ritmicos.
A coluna ficou, mas os fios pretos e a vergonha na cara partiram no trem dos sessenta anos.
eu nem perto disso estou, aliás,
mas anseio por isso a cada dia que passa
a velhice talvez seja a morada aconchegantemente ideial daqueles que, quando jovens, sentem-se prisioneiros de seus frágeis e sensíveis egos
ah criatura patética é o homem
coisa finita que almeja a infinitude
o mortal a querer ser deus.
pensar nisso me deixa atordoado
mais um sinal de que ainda não sou velho o bastante
do contrário não estaria preocupado com nada disso
peidaria a vontade nos cantos.
para não pensar mais em velhice eu decidi voltar a ser jovem: arranquei o fio branco.
24 de julho de 2024, Natal/RN