Desejos de Voz

(Eliane Accioly )

Era uma vez

uma Voz lilás

:a flor e a cor

Marca apenas audível

impressão digital, invisíveis dedos

roçando os contornos de um rosto

uma Voz humilde

que podia, no entanto,

criar em um átomo de segundo

um mundo inteiro

onde, estuário, fluía

adivinhando-se humano santuário

Sabia-se única

e por única, solitária,

o que não a impedia de

a outras muitas reunir-se

para em bando, comporem

milhares de rios Solimões e Negro

:vozes rios, cores e corais

(Lilás e tímida, momentos havia

de dor culpa e vergonha em Ser

e nestes, do mundo se recolhia

e de si mesma

Não escapou, ainda assim

de capturas injúrias

batalhas, envolver-se

em infâmias e mortalhas)

Como outras vozes sabendo-se

uni-verso de um poemário

imprimia marcas, mãos se desenhando

e esboçando mundos

Deus meu, aquela Voz

queria-se viva

vista e ouvida

Seu desejo reunia-se

aos de outras vozes

que também abominavam

capturas e injurias, guerras infames

e, posto que sagradas,

em santuários

desembocavam

Ali, cantavam:

“a coragem de viver sendo mortal

a vontade de morrer a cada dia

a cada instante acordar para a vigília”

e em cada fração de tempo vibrar o mantra

“sem a culpa ou a vergonha em Ser

sem de mim mesma esconder-me

ou do mundo”

Era uma Voz fugaz

e lilás :a flor e a cor