SEM RIMA 258.- ... bruxas ou deusas ...

Durante o longo tempo em que as gentes

humanas fugiram da tribo para ruirem na sociedade

(qualquer que for e como for organizada),

as mulheres são tomadas por bruxas potenciais,

ao menos, e algumas, privilegiadas, por deusas.

Para se libertarem de ambas as incriminações

ou censuras, a grande maioria delas, quase todas,

até hoje mesmo, acovilharam-se* sob a biologia:

virgindade, maternidade, procriação comandada

e administrada.

Religiões do Livro, que machos

dirigem, proclamam no nome do seu Altíssimo

o que nos livros ditos inspirados não se diz:

Deus não foi visto por ninguém em vida

[João 1,18];

a sua presença manifesta-se não no furacão

nem no terremoto nem no fogo mas na brisa

[I Reis 19**].

Como, sem o ver, os seus "representantes"

podem tão libertinamente falar no seu nome

e sobre as criaturas, varão e mulher, mulher

e varão, que esses "representantes" dizem

serem criação do Deus?

Como, mostrando-se

Deus como brisa, sendo Deus amor, podem

esses "representantes" inferir tormentos,

promover mortes, sentenciar castigos contra

as criaturas do Deus invisível e mudo?

E, por fim, se todas somos criaturas do Deus,

como as criaturas machos podem anatematizar,

discriminar, condenas e por norma preterir

as mulheres, tão obra do Deus quanto eles?

Não serão emissários do demo*** os varões

e não as mulheres, quando aqueles as declaram

objeto de vergonha e identificam a sacralidade

com a recusação do feminino e o domínio

absoluto sobre a mulher?........................****

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(*) "acovilhar v. tr. (1) Abrigar uma pessoa ou animal com alguma cousa. (2) Acolher. Agasalhar. (3) Recolher. (4) Tapar o fogo com cinza para que se mantenham as brasas. (5) Cobrir, encobrir, ocultar. (6) Estender as bostas de vaca com o fim de preparar a eira para a malha.

v. pron. (1) Abrigar-se bem. (2) Acolher-se uma pessoa ao auxílio e favor de outra. (3) Recolher-se.

(**) I Reis 19:

"9. Chegando ali [ao monte Horeb], passou a noite numa caverna. Então a palavra do Senhor foi-lhe dirigida: Que fazes aqui, Elias?

"10. Ele respondeu: Estou devorado de zelo pelo Senhor, o Deus dos exércitos. Porque os israelitas abandonaram a vossa aliança, derrubaram os vossos altares e passaram os vossos profetas ao fio da espada. Só eu fiquei, e querem tirar-me a vida.

"11. O Senhor desse-lhe: Sai e conserva-te em cima do monte na presença do Senhor: ele vai passar. Nesse momento passou diante do Senhor um vento impetuoso e violento, que fendia as montanhas e quebrava os rochedos; mas o Senhor não estava naquele vento. Depois do vento, a terra tremeu; mas o Senhor não estava no tremor de terra.

"12. Passado o tremor de terra, acendeu-se um fogo; mas o Senhor não estava no fogo. Depois do fogo ouviu-se o murmúrio de uma brisa ligeira."

(***) "demo 1" s. m. (1) Génio bom ou mau que segundo o politeísmo presidia o destino de cada homem. (2) Génio do mal que, segundo o cristianismo, procura a perdição da humanidade. (3) Anjo mau, anjo caído, Satanás, Belzebu. (4) Pessoa amiga das trasnadas. (5) Pessoa turbulenta ou ruim. (6) Pessoa feia ou antipática.

(****) Vale a pena ler a obra de Silvia Federici (2004), 'Caliban and the Witch: Women, the Body, and Primitive Accumulation', Nueva York, Autonomedia. Não achei tradução portuguesa na rede; sim a castelhana por Verónica Hendel y Leopoldo Sebastián Touza, sob o título 'Calibán y la bruja. Mujeres, cuerpo y acumulación originaria'.