Adeus
Adeus
Querido leitor,
Se você encontrou estas palavras, é porque chegou a hora de falar sobre o que carreguei silenciosamente por tanto tempo. Esta é a despedida que escrevo não apenas como um lamento de quem parte, mas como um testamento de amor e de uma vida vivida entre tropeços, vitórias, lágrimas e fé.
No silêncio da madrugada, enquanto o mundo repousa no esquecimento, uma angústia apertou meu peito, uma certeza quase amarga de que cada passo meu era rumo a um destino do qual ninguém escapa. São três e trinta e nove, uma hora que poucos lembram, mas que eu sempre levarei comigo como o instante em que o cheiro da partida se tornou real.
Sinto em minhas mãos o peso do tempo. Estas mãos, tão marcadas por histórias que a memória se recusa a soltar, já carregaram outras mãos, já conduziram vidas, já plantaram sonhos e seguraram as rédeas de uma fé inabalável. Mas, hoje, ao tocá-las, sinto um vazio, como se algo importante houvesse se desprendido e desaparecido para sempre.
Carrego comigo um turbilhão de lembranças. Penso no menino que um dia fui, enfrentando a angústia da perda de um pai que nunca pude abraçar antes de sua partida. Penso nas batalhas do homem que me tornei, superando os fardos que a vida despejou sobre meus ombros. Penso na dor irreparável de perder minha mãe, o amor da minha infância, a base de quem eu sou. Cada despedida, cada ausência deixou em mim uma cicatriz que moldou minha alma.
Tive uma esposa, Eunice, com quem dividi promessas e silêncios. Juntos enfrentamos tempestades que testaram os limites do que é ser humano. E tive filhos, luzes que me guiaram nos momentos mais escuros, cujo riso me lembrou da beleza que persiste, mesmo quando o mundo ao nosso redor parece ruir.
Minha vida também foi um chamado ao ministério, uma caminhada pela fé. Com a Igreja Geração Eleita, vivi dias que pareciam tocados pela eternidade. Tiramos jovens da perdição, trouxemos esperança às famílias desoladas, carregamos cruzes uns pelos outros. Mas também vi cair aquilo que ergui, vi as pessoas partirem e experimentei o amargo sabor da ingratidão. Nunca esquecerei dos que ficaram, mas tampouco negarei a dor de ver meu próprio sonho desmoronar.
Leitor, entre tudo isso, o amor nunca deixou de ser meu guia. Por 12 anos, amei Deonilde, a mulher que mudou minha vida, que foi e sempre será o coração pulsante das minhas memórias. Como é possível amar tanto alguém e, mesmo assim, sentir que nem mesmo o tempo foi suficiente para dizer tudo o que deveria?
E então há você, irmão leitor. Se chegou a esta carta, talvez sinta o que eu sinto: uma mistura de saudade e gratidão. Entenda que vivi como pude, lutei o melhor que consegui. Em cada decisão, em cada passo, havia a força de um homem que não desistiu, mesmo quando a dor parecia insuportável.
Mas agora, enquanto o cheiro da partida me envolve e as sombras do inevitável se aproximam, eu desejo uma coisa acima de todas: que você, que lê isso agora, não deixe nada para depois. Não se perca na pressa, na rotina ou no medo. Ame, diga, faça. Abrace seus pais enquanto ainda tem a chance, lute por aqueles que te dão motivos para viver.
Eu vou, sabendo que fiz o que estava ao meu alcance. Sei que meus erros me acompanharão como ecos, mas também sei que deixei algo de bom – nem que seja a lembrança de um homem que, mesmo imperfeito, amou profundamente.
E à morte, que tanto esperei sem temor, digo: seja gentil. Leve-me com a mesma calma de um abraço, com a leveza de um sussurro. Não me assusto, porque sei que, ao final, ela será apenas o início de uma nova jornada.
Adeus, caro leitor. Adeus a tudo o que fui e a tudo o que você ainda será. Não me lamente – ao contrário, viva. Viva o que ainda posso sonhar em você, porque, quando tudo se acabar, será o amor que restará.
Com minha última saudação,
Victor Liatunga