A Presença
Vestida em damanoute enegrecida
Desperta e dos sonhares esquecida
Na muda escuridão pungente e morta
Senti certa presença à minha porta
Porém sonido algum, nem vil batida
Ouvi no cumarú que o umbral comporta.
Decerto estava, pois, eu mui confusa
Deitei-me ao leito lânguido, reclusa
— Talvez o horário esteja me inibindo
E a minha sanidade se embaindo —
Pensei relenta ao breu d’angústia infusa
Até mi’a tez prever horror infindo;
Dealvando a face minha no rompante
No umbral ‘tava a presença necromante
Meus olhos em temor se comprimiram
Que às frestas tão mofinas difundiram
A aragem putrefata equissonante:
Os vis silêncios mórbidos se uniram
Ao pranto meu de agrura fulgurante;
A névoa negra logo condensou
E vi que a orla da porta se grisou
Havia, pois, só ela e nada além,
— Retorna à treva ruim que te provém! —
Mi’a trêmula voz tola esbravejou
Pujante que meu pânico aumentou
E a súbita coragem fé detém,
Abri com ódio a porta, nada além…
A límpida moldura me espelhou;
— Um quadro na parede, mais ninguém… —
Alívio! À solidão, meu puro amém,
Até que algo em mi’a nuca respirou…
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Damanoute: palavra que criei para nomear o vestido de tecido fino que as mulheres usam para dormir.
Cumarú: tipo de madeira.