A Presença

Vestida em damanoute enegrecida

Desperta e dos sonhares esquecida

Na muda escuridão pungente e morta

Senti certa presença à minha porta

Porém sonido algum, nem vil batida

Ouvi no cumarú que o umbral comporta.

Decerto estava, pois, eu mui confusa

Deitei-me ao leito lânguido, reclusa

 — Talvez o horário esteja me inibindo

E a minha sanidade se embaindo — 

Pensei relenta ao breu d’angústia infusa

Até mi’a tez prever horror infindo;

Dealvando a face minha no rompante

No umbral ‘tava a presença necromante

Meus olhos em temor se comprimiram

Que às frestas tão mofinas difundiram

A aragem putrefata equissonante:

Os vis silêncios mórbidos se uniram

Ao pranto meu de agrura fulgurante;

A névoa negra logo condensou

E vi que a orla da porta se grisou

Havia, pois, só ela e nada além,

 — Retorna à treva ruim que te provém! — 

Mi’a trêmula voz tola esbravejou

Pujante que meu pânico aumentou

E a súbita coragem fé detém,

Abri com ódio a porta, nada além…

A límpida moldura me espelhou;

— Um quadro na parede, mais ninguém… — 

Alívio! À solidão, meu puro amém,

Até que algo em mi’a nuca respirou…

__

Damanoute: palavra que criei para nomear o vestido de tecido fino que as mulheres usam para dormir.

Cumarú: tipo de madeira.

Sara Melissa de Azevedo
Enviado por Sara Melissa de Azevedo em 03/09/2023
Código do texto: T7876902
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2023. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.