Poética - Ixtab

"Nas trincheiras da mente os suicidas são levados até o deserto dos próprios pensamentos - ali ressecam, ali transpiram a alma para fora dos poros da ilusão; ali são convidados a desaguar na sede do fim."

Nas secas da mente vertem-se grandes reservas de angústias sob o ser desenganado.

Hidratam-se as memórias e refrescam-se as paixões ante a tempestade que jorra de um último apelo ao mundo.

Ó mundo, silencioso e mudo mundo.

Como extrair-lhe uma voz que comunique sentido aos tímpanos da existência?

Cavo a fossa oriunda da aflição - bato o raciocínio numa explicação inócua e jamais extraio o contentamento lapidado.

Ah, tempestade de areia, se pudesses anuviar a razão. Se pudesses dissolver a consciência em grãos, e então soprá-la para longe de mim.

Se pudesses abstrair-me em ideias que não pensam sobre si, ou sentimentos que não sentem a própria substância sensível.

Escuto apenas o solilóquio do sentido: "Sentido? Sentido de que? Leve-me ao topo de si mesmo só para me deixar rolar em direção às funduras do esquecimento.

Como pretendes me reerguer em teu seio quando eu não mais atender às tuas expectativas?

Não existo para fazer-te sentido, construo-me, contudo, a cada vez que empurras a lucidez contra as trevas da tua ínfima condição.

A unidade que procuras não existe, eis que dentro de ti o mundo não há de caber - A realidade se esquiva ao pensamento;

As crenças são almas penadas que vagam indefinidas entre a vida e a morte; queira a verdade da carne, cujo espirito não pode ser negado.

Desvendar-me o sentido último é inútil - não existe sentido último - Ultrapasso-te para que eternamente tentes me alcançar.

Ah, não tentes me entender se tampouco se entende. Eu me escrevo para os alucinados, e se tenho sofrido em vida, é para que enxerguem em mim a própria saída."

A voz do sentido se cala, encontro-me no chão após despencar da corda que já não parece ter o formato do meu eu. Quantas formas eu jamais teria, caso me metamorfoseasse em nada?

Uma mulher putrefata de olhos profundos como um poço sem fim, fita-me e desperta a revolta de não querer morrer no escuro de mim.

Viver é fazer viver o absurdo.

Viver é, antes de tudo, encará-la.

- Letícia Sales

Instagram literário: @hecate533

Letícia Sales
Enviado por Letícia Sales em 11/06/2022
Reeditado em 26/06/2022
Código do texto: T7535239
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