A MÁSCARA DE DAHUD
Ou
“O Pesadelo de Gradlon”
– Eu sou a Princesa encantada
Da mais bela cidade do mundo
Que meu pai fez engalanada,
Por um sonho que teve jucundo.
Gradlon, herói e rei glorioso
De grandes combates vitorioso.
Vem, ó cavaleiro que passas
No corcel das terras sem fim
Recorre à ambição que abraças,
Vem, mas não perguntes por mim.
Em Ys, numa mansão vistosa
Achar-me-ás, a mais formosa.
Em cada manhã solarenga
Toco e canto no meu alaúde,
Minhas trovas e minha arenga
Ou eu não me chame Dahud.
Sou assim nesta bela cidade
E prezo a minha liberdade.
Meu pai foi pra longe lutar
Em busca da fama e do Graal
Quem sabe estará a chegar
Com saudades, como é natural…
Vem, ó ditoso viandante
Gozar teu prazer num instante!
Junto ao mar, a minha cidade
É soberba e hospitaleira.
Dela tenho muita vaidade
E há-de ser grande a vida inteira.
Faço festas e celebrações
Com mil bailados e emoções…
– Estou chegando às muralhas
Da Cidade que construí;
É soberba e não tem falhas
Como ela nenhuma outra vi.
Vive lá minha filha Dahud,
Oxalá esteja de boa de saúde…
Gradlon, o bom rei, imaginava
Que tudo estava de boa graça
Já que, para isso, ele lutava;
Iria celebrar de praça em praça.
Mas, porém, pra sua surpresa
Ficou cheio de fúria e tristeza.
Desde o palácio à Catedral,
Sua esbelta filha procurou,
Mas, pra seu espanto abismal,
Em nenhum lado a encontrou.
– Onde estás Dahud, meu encanto,
Minha formosura e acalanto?
A bela Princesa se divertia
Pela cidade, de rua em rua,
E na Praça Maior em folia
Esperava o pai quase nua.
– O que é qu´ está a acontecer?
Minha honra estou a perder!
– Nós queremos, ó grande Rei,
Festejar com alma teu regresso
Engrandecendo a tua grei
De que te orgulhas e és confesso!
Assim falou Dahud, mascarada,
Pondo ao léu a vida depravada.
Gradlon surpreso em si caiu:
– Ora, eu que lutei como um moiro
Por um Sonho que me redimiu
E vejo esbanjado o meu tesoiro…
A Glória é breve e eu… lamento:
A partir de hoje irás no vento!
Encerrou a filha numa cela,
Os seus comparsas, enforcou
Ali mesmo, na frente dela,
E toda a Corte convocou.
– Não há festas pra mais ninguém…
A culpa, de tudo isto, é de quem?
Guenolé, seu governador,
Seu confidente, como é de uso,
Perante esta angústia maior
Denunciou a filha e seu abuso…
– Pois bem, eu Gradlon não seja,
Desde esta hora maldita seja!
Ao calaboiço, condenada,
Dahud adivinhou o figurino:
Pelo seu pai foi deserdada
E sentiu negro o seu destino.
Gradlon o povo de Ys acalmou
Com duras leis que decretou.
Entra o vil Satanás em cena
Tentando Dahud à vingança:
Que durante a noite serena
Furtasse ao rei a chave-fiança.
Toda a cidade correria perigo
Nas portas do mar sem abrigo!
Ainda toda a gente dormia
Quando as portas, Dahud abriu
E, como por negra magia,
A água do mar a cidade invadiu.
Instalou-se o pânico e o terror
Perante tal tragédia d´ horror.
Avisado em sonho por Guenolé,
O rei Gradlon salvou-se a tempo
Levando Dahud em contrapé,
Por sua raiva e seu lamento.
E do alto do corcel, por desdita,
Lançaram no mar a maldita.
Toda a história nos dá lição
Seja de príncipes ou princesas:
Há que ter sempre em atenção
Donde vêm as malvadezas.
Satanás está sempre à espreita
De nos pregar qualquer desfeita!
Nem tudo aquilo que parece, é
A verdadeira realidade;
Há sempre uma máscara-ré
Que atraiçoa toda a Verdade:
A Princesa predestinada
Virou Sereia amaldiçoada.
P´ la maré vazante do mar
Observam-se as torres esguias
Daquela imersa Catedral,
E os sinos tocam litanias
Como que fazendo lembrar
A dor daquele evento fatal.
E não fica por aqui a história:
Narram escritos da Tradição
E os preceitos da memória
Que não há azar sem maldição.
Por isso em noites de invernia
Se ouvem vozes de Fantasia!
Frassino Machado
In ODIRONIAS