O gato preto
Há um gato preto em minha janela;
teu miado é a sinfonia que ecoa da solidão de cada um de nós.
Na boca ele traz o suspiro agonizante de uma ratazana que outrora roeu meus pensamentos nos becos perdidos da vida.
O felino molda-se pelo olhar, pois teu corpo mistura-se e se perde junto ao negrume da noite.
Já a tua silhueta funde-se ao âmago do meu pranto, e juntos escurecemos, argutos e distantes.
Teu ronronar é o rouco chamado que nos convida a olhar para dentro.
És a voz dos incompreendidos suprimida dentro dos mistérios, tal como um ruído mentalizado.
Ele mostra-me que fomos deixados
no escuro de nós mesmos, e que se caso atravessássemos a janela, seríamos apedrejados por ser quem somos.
Tua pelugem integra as formas mais puras de ser, e elas luzem ocultas dos olhos alheios.
Somos nós oh solidão, trancadas no infinito de um quarto, pois só tu me abraças em plenitude.
O gato que espreita-me, carrega todas as sombras do mundo; nele a humanidade projetou os males que ela mesmo criou.
E por mais que tentem mata-lo, ele renasce com o dia, tal como os suicidas que renascem de seus erros mais belos e sublimes.
Este é o gato que habita as entranhas dos que abraçam a solidão; somente nós entendemos teu retraimento e mistério.
Somente nós escutamos o silêncio.
Ó predador das sombras, tu podes se espreguiçar em meio aos mistérios, espraiando-se pelo espaço-tempo. E sob a noite mostrar o que todos tentam silenciar em ti.
Mostre-nos a matéria escura do universo, já que a maior parte dele nos é desconhecida.
Ó gato, vejo-me em ti, e tal como tu,
meu único dono é o tempo.