Poética - Aracnofobia
No fulgor noturno sinto-a
andar sobre o meu arcabouço
com tuas inúmeras patas.
A aranha grotesca de pelos
eriçados, faz-me tua presa
revestindo-me por dentro
para que eu não fuja.
Enrolo-me entre a delicadeza
exposta dos lençóis que
guardam a minha solidão.
E anseio nunca mais fitar a
luz do dia.
O aracnídeo embala-me em tuas
toxinas, de modo a afastar qualquer
ser que me ame ou um dia o fez.
Teus múltiplos olhos censuram
qualquer fagulha metafísica que
poderia me acalentar em noites
como esta.
Vou me liquefazendo nos cativos da criatura que definha-me para por fim se alimentar da minha alma.
Observo-me através de seus olhos monstruosos, e fito o traço fantasmagórico do que um dia foi um rosto.
Tento me mover, mas a criatura já teceu tua substância em minha medula.
A aranha envenena-me com um pérfido descontentamento infundado; e procria em minhas feridas.
Sinto a depressão encarnada neste pequeno animal sorrateiro. Dizem que ela só ataca por defesa.
- Ora, seria a minha sede por vida, uma espécie de ameaça ao meu lado fúnebre?
O paradoxo habita-me e ameaça dilacerar minha natureza. Então deve ser por isso que sinto o formigamento em meus membros.
Oh céus, são pequenas aranhas correndo em minhas entranhas. O aracnídeo botou teus ovos
em meu ninho de angústias.