O parto das sombras
I
A mim clamaram durante o frígido clarão de dias infindáveis e ciclos eternos de luminosidades que cegam. O fim não mais existia.
Todas as almas noturnas perduravam nos canteiros recônditos da terra com os olhos feridos e apáticos mediante a luz estrangeira que as invadiam;
E o sol algoz, se deleitava a satirizar as dores dos seres da noite.
II
A mim suplicaram quando a vida mostrou-se imortal; e das entranhas da terra eram expelidos os filhos da noite, escolhidos para fritar por entre a eternidade diurna.
A morte jazia distante, encolhida em sua própria natureza;
E sob a terra reinava a organização vilipendiosa de uma natureza excludente e desenfreada.
III
Nas florestas pairei enquanto ouvia a sinfonia agonizante dos suicidas, que tentavam em vão tirar a própria vida.
O clamor abafado de todos os incompreendidos implodia qualquer som terrestre.
E do meu ouvido vertia-se o rubro sangue de quem escuta em demasias as dores do mundo.
Eis que já agonizava junto a cada ser atrofiado pela crueza da existência.
IV
A mim os covardes nomearam bruxa
E nutriram o ensejo de atear-me fogo.
Sofri os martírios da perseguição e trancafiei-me nas labaredas de uma depressão profunda.
Com o passar do tempo, via-me com o senso dismórfico da inquisição.
Um ser distorcido pela dor foi o que me tornei.
Ora tão remanejado pela sede de atear fogo em si mesmo.
V
Durante um dia de esplendorosa luminescência.
Iniciei uma canção suicida enquanto amarrava meu corpo em um limbo.
A sonoridade sórdida da música penetrou os confins da terra e minhas lágrimas regaram a morte no fundo dela.
VI
Em meu ventre acumulei o poder do aniquilamento;
Donde as sombras escassas do mundo se agruparam.
Clamei aos deuses para que a noite voltasse para terra e acolhesse as almas perdidas.
VII
Em resposta, as sombras rasgaram minhas entranhas e a tormenta que antes habitava o meu seio, espalhou -se por toda a terra.
VIII
Meu corpo fora consumido pelas chamas e em ardência minh'alma se expandia encandecida.
Enquanto queimava, gargalhei em catártica euforia.
Esparzindo a feminilidade reprimida.
IX
Ó noite, assista-me cintilar e a dor libertar.
Minhas cinzas esculpirão
sátiras dos que me feriram.
Hei de romper ciclos de tormenta.
A morte vingará os nascimentos.
E a escuridão reinará eterna,
sob meu trono de miséria.