Impuro
Sou o precipício da razão
Não medido em lágrimas
Muito menos em emoção
Sendo eu o contrário da bela
Contento-me em ser fera
E que seus olhos jamais vejam
Jamais contemplem minha escuridão
Na imensidão dos meus abismos
Ou na minha força inigualável
Temida como um sismo...
Sim, me rastejo, procuro
Por um fiapo de memória
Nessa noite tão inglória
Resplandece sua beleza
De inimaginável grandeza
Ilumine se puder, se quiser
Aqueça meu coração pequeno
Que as vezes se agiganta
Desatando o nó preso na garganta
Gritando pragas pelo escuro
As vezes, sou assim, impuro
Se preferir me julgue
Subjugue meu reflexo
Ou desconjure meus demônios...
Mas não me atire mais ao chão
Mas sem perdão me condene
Me leve aos infernos mais temidos
E como fera que sou
Não fuja com o estrondo do meu rugido
Mas fique!
Fique mesmo que não possa encarar
Fique mesmo que minhas chagas
Ou velhas feridas sejam incuráveis
Nada me resta na memória
Mas meu coração está cheio
Não é apenas um resto
Ou um copo com bebida até o meio
Transbordo e me afogo
Me afogo no seu prazer
E me desfaleço em sua loucura...
Perdido na noite mais escura
Uma velha fera ainda te procura
E talvez eu te encontre
Te afaste ou te ilumine
Te ilumine com minha luz pálida
Cálida e carente de razão
O coração bifurca
Mas intensamente pulsa
De um átrio a outro
Me levando a você...
Sim, sou fera
E nessa noite é a morte que me espera
E dela não espero perdão
Já que meu pobre e louco coração
É talvez maior que o mundo
Apesar de as vezes pequeno e imundo
É tão humano quanto o seu...