NA IMENSIDÃO DE UMA NOITE ESTRELADA
Quem aprecia a atmosfera noturna,
Enriquecida de estrelas que resplandecem
Ante os espaços trevosos,
Almeja um dia desvendar as suas incógnitas
Envoltas por um misterioso silêncio
Que fez adormecer, por um tempo indefinido,
A graciosa beleza matutina...
Mas há nos meus sonhos
Tanta imensidão e tanta solidão
Quanto uma noite enluarada
Com os seus mistérios imaculados;
Sonhos profundos e inocentes
Na noite prolongada e indefinida
Do meu ser...
Quem se alimenta de sua própria solidão
Percorre caminhos meandros e insólitos,
Caminhos turvados pela ausência
Que extingue o entusiasmo
E toda a agitação mundana,
Agitação que é indiferente a dor do existir!
Escutar os anseios e os conflitos
Que se inflamam continuamente,
É interessar-se por si mesmo;
É se manter vigilante
Em busca de um sofrido auto-conhecimento,
Mais docemente obtido no silêncio sepulcral
De uma noite gélida
E esquecida de singelos sorrisos...
É o próprio silêncio um convite
Para um mergulho nas profundezas
Do que jaz adormecido
E em descanso absoluto.
Quem sabe com esse movimento
Não possamos fazer despertar
Tesouros enterrados nas profundezas
De nosso mundo interior?
Quem sabe não podemos
Descobrir nossos verdadeiros anseios?
Não é pelos andares e galerias da noite
Que o onirismo, como uma dama da noite
(Uma flor adocicada e insondável),
Renasce de maneira tão vivaz e soturnamente?
No oceano plácido da noite
É onde o naus modesto do meu ser
Vagueia a esmo e sem preocupação
Com absolutamente nada...
Uma vez que reservo
Os mais preciosos momentos da minha vida
Para festejar a solidão
Pelas calçadas sombrias do mundo,
Sou motivado a sentir
Saudades por tudo de bom que vivi;
E a nutrir boas expectativas
Por tudo o que ainda está por vir.
Quando o negror da noite
Oferece seus aromas em clima de nostalgia,
Saboreio de forma inusitada
Uma sussurrante brisa,
Um vento doloroso e adocicado
Que arrebata o espírito
Através das lembranças e das fantasias;
Ao mesmo tempo sinto o meu ser em repouso
De todas as preocupações e angústias diurnas...
Sob trevas espessas e fugazes,
Sinto que o meu próximo destino,
Para as alturas e os cumes majestosos,
Ainda está um pouco distante;
Enquanto isso, cubro o meu espírito
De uma luz de esperança,
Uma candeia confortante
Para proteger-me das muralhas do frio...
Às vezes uma onda de tristeza
Comprime os meus sentidos;
Mas ao mesmo tempo intuo
De que tudo nessa vida
Não passa de uma pálida sombra,
De um curto instante de vazio,
Sobre o qual precisamos atravessar
Da maneira mais corajosa e estoica.
Quem desvela os mistérios
Que dão moradia a todos os seres
A povoarem as plagas recônditas da noite,
Sabe que não há nada
Mais entusiasmante,
Porém ao mesmo tempo estranho,
Do que enfrentar os seus becos
E do que perceber
As suas exóticas fosforescências...
É próprio desse imenso espaço silencioso
As sinuosidades e os caminhos abruptos,
Além de todos os perigos ocultos adjacentes!
As reticências de tantos mistérios
A povoarem a densidade da noite,
Seduzem as nossas fantasias;
Tais quimeras são constituídas
Pelos vultos repentinos
De tantos aromas, sonoridades
E colorações pelos céus estrelados...
Tais fenômenos integram
Essa densa atmosfera inebriante,
Uma atmosfera povoada
Pelo sonambulismo
Dos seres mais estranhos e decadentes...
É nas encruzilhadas da noite
Que alçamos os nossos voos de fantasia;
São voos que nos conduzem
Para tempos esquecidos
E para épocas que não voltam mais...
A partir daí construo
Fortalezas de devaneios
Que me conduz a uma profunda meditação
Da condição humana...
E a uma doce reflexão sobre o que jaz
Perdido sobre recantos silenciosos...
Em silêncio e em grande inquietude, interajo
Comigo mesmo de uma maneira inusitada;
Na luz da minha consciência,
Frente a tantas ilusões, aspirações,
Desejos, sonhos, falsas alegrias e solidão,
Sou desperto por um saber abrasante.
Nesses momentos insones
Sinto um estranho vigor, até maior do que os dias
Adormecidos por vigílias ininterruptas.
A escuridão pode assustar os sonhadores,
Mas quem tem uma candeia espiritual
A fornecer guarida e direção,
Dificilmente se perde em suas altivas desolações!
A escuridão nos ameaça
Com tamanha desolação na alma;
Mas quem sabe contemplar
Um belo céu estrelado,
Uma bela noite de luar esplêndido,
Descobre o sentido de viver
Instantes preciosos de solidão.
(Publicado no Recanto das letras pela primeira vez em 14/11/ 2016)