Em Baixo

As estrelas não conhecem aqui, esse lugar afugenta a lua

Cadáveres ressonam nos seus sonos mortais e têm pesadelos com o pó

Vêm de diversos lugares, leitos da morte e hospitais

Campos de guerra, brigas que correram mal, ataques de susto

Dores de cabeça iniciam perturbações mentais

Conversas que despolateram depressões e opressões em secções

Estradas ensanguentadas com parte de si nelas atiradas

Recebem flores e declarações de amor, lamúrias instantâneas

Padres celebram a missa, uma reunião familiar é produzida

E põe no prato amigos e inimigos para efeito de despedida

Momento solene, estar triste é o efeito colateral

De quem se faz humano e por vezes com esforço sentimental

No transmutar do dia em noite os morcegos acendem as luzes

Seus olhos iluminam o palco do céu, que agora é "inclaro"

Os mortos têm bar, onde conversam sobre os projectos levados ao léu

Atirados à sorte de quem ficou porventura no seu lugar

Bebem chamas, porque sangue mais ninguém tem

Foram sugados os corpos pela areia, comidos por salalés

Debaixo do chão existem escadas sem degraus nem corrimão

Que levam para lugares trevosos, muito além da intuição

As campas mexem na passagem e não há ninguém por perto

Que possa ajudar o turista que faz visita ao mundo negro

Cruzes coladas nos caixões, galinhas decapitadas

Missangas e cabaças de ninguém dão charme à paisagem

Os que cá estão não voltam mais

E já se sentem irritados com os estrondos que vêm de cima

Esses carros carregados de gente para mais de cem funerais

Cresce o número de enterros e dá cabo do espaço

Os mortos não chegam ao purgatório com caveiras assim por todo lado

Querem-se purificar, o tempo é escasso

Não há ar nem janelas, nada para respirar

Alguém morreu e não disse

Almejava descansar

E hoje conta sua história de falecimento a estes corpos

Que não se levantam mas também andam já sem sono

Tentam novecentas posições, sangram pus e lama

Embora as chuvas nunca passem por cá

Corpos giram nas suas tumbas, ossos espalhados na cova

Um coro de finados faz ruídos, é o medo que assombra

Não a trova das minhocas ou poesias do inferno

As trevas acasalam-se com o fogo, nascem mais mortos

Aqui em baixo há festa todos os dias, bem-vindo, convidado

Há desordem, não há juízo, queimam-se uns aos outros.

Widralino
Enviado por Widralino em 27/02/2018
Código do texto: T6265433
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