Incólume
Vem, tu que te escondes nos cantos mais sombrios
E revela teu verdadeiro rosto!
Vem, tu que guardas teu coração velho e ferido atrás de muralhas de chumbo
Fingindo que és o único que pode sair incólume do amor e do caos
Enquanto atiras sobre mim meus piores temores disfarçados de vis coincidências
Achando que com isso provarás que sou donzela frágil
Cuidado, meu pequeno monstro
Posso cuspir de volta as armadilhas que me trazes
Embebidas em meu próprio veneno
Sei bem que faz milênios desde que teu coração sangrou pela última vez
Mas eu vi uma gota vermelha escorrer de teus olhos, eu vi!
Vi teus olhos confessarem sem querer que se apaixonaram por mim
Vi um coração que não é de monstro por trás da carcaça
E sei que no fundo não é a mim que tens medo de ferir
Meu bem, eu andei por séculos de braços dados com a História
E não tenho medo de perder meu coração entre a poeira do tempo
Conheces meu segredo
Estendendo-me a mão, beijando-me os lábios trêmulos
Sabes o quanto me dói o adeus
Sabes, o sabes, sabes sim!
Mas sabes que a dor dura apenas um par de segundos?
Depois a noite cai e me perco em negro esquecimento
Depois o perfume se esvai e eu esqueço teu nome
Depois minha roda do tempo volta a girar
Gira, gira, gira, e a sua, onde está?
Eu me perdi na última Lua Cheia
Como se a noite fosse a única amante que eu deixasse meus lábios tocar
Tu estás distante, em algum lugar tomado pela luz do dia
E quando a noite cai sinto tua alma me chamando
E sei que não se encontra tão incólume quanto alegas
Meu espírito voa em tua direção num consolo vazio
Porque é do meu toque que precisas
Mas o constrangimento por suposta fraqueza te oculta atrás de olhos baixos
Meu bem, eu te vi sangrar e nada senti senão amor
Eu te amei em tua fraqueza porque sabia o quanto eras forte
Eu te amei mesmo nas palavras duras de despedida quando pensaste que eu era fraca
Eu te amei, sem objeto direto e sem complemento
Mesmo que nunca tenha confiado em teu coração escorregadio
Eu te amei, mesmo quando tudo o que querias era sair incólume
E tudo o que eu queria era aprofundar a bagunça
Eu te amei, mesmo quando um doce fio de verdade escorreu sobre as mentiras covardes
Eu segurei seus pulsos esquivos para guardar comigo os últimos momentos que importavam
E engoli as lágrimas que não pertenciam àquele adeus
Deixei teus discursos ocos ecoarem pelo quarto vazio
Porque a verdade silenciosa tatuada em tuas veias
Sabe muito bem que é impossível sair incólume