Sit tibi terra levis (Que a terra te seja leve)

Meu pequeno vampiro

Respingamos as paredes de escarlate outra vez!

Quanto sangue quente derramamos

Para aplacar o frio em nossos corpos pálidos?

Quanto sangue quente ainda iremos derramar

Para expurgar os demônios que temos, que somos?

Límpido são seus olhos ao me apresentar esses questionamentos

Ontem, na distância dos séculos eu poderia lhe responder

Uma vez mais eu lhe peço, compartilhe comigo essa dor

Imagino que nem todo sangue seria capaz de saciar

Secretamente a sede que temos pela vida que nos falta

E agora, nossos demônios insistem em nos dominar...

Meu pequeno vampiro

Nunca serei livre do meu pesar

Mesmo que passe séculos de séculos tentando aplacá-lo

Afogando minhas presas em sangue

Compartilhando de companhias enterradas nos mesmos caixões em que deito a cabeça exausta

Como posso pedir-te por uma vida que também não tens?

Como posso sonhar com dias menos sombrios

Se são os demônios que me carregam na direção do amanhã?

Sinceramente a liberdade que temos é a mesma que nos aprisiona

Aplacar a dor com mais dor é o brinde que podemos fazer a eternidade

Liberte-se do remorso que perfura profundamente seu peito vazio

Veja que as paixões compartilhadas de formas equivocadas

Estendem-se sobre todas as terras que pisamos

Se não tenho uma vida para te dar, lhe ofereço cumplicidade

E sonhe que o pesadelo que se aproxima é a expurgação de toda falsa verdade...

Meu pequeno vampiro

A maldição de fugir de cada nascer do sol

É o que tenho a compartilhar

O frio da noite traz consolo fugídio

E dói cada vez menos saber que nunca vou me esquentar

Se o pesadelo é o que resta para afastar as ilusões

Então desejo do sono letárgico o alívio

Anjo, doce anjo das trevas...

Nunca o Sol nos seria mesmo suficiente

Jovens eternamente seremos, eis nossa maldição!

Olha dentro dos meus olhos e vislumbre a perdição

Trema diante da incerteza de não poder congelar

Resta-nos a imprecisão do tempo humano

Isso sabemos que nunca vai nos devorar

Suplico-te que não temas a proximidade das portas do inferno

Toque minha mão, mergulhe comigo no vazio da imensidão

Então o desejo de se consumir na inexistência será o nosso perdão...

Meu pequeno vampiro

Tua mão gélida me traz consolo que não posso explicar

Não tenho medo das trevas, se delas fui concebida

Não tenho medo da morte, se faz parte do meu legado

Não tenho medo de nada

A não ser talvez dos seus perdidos olhos a lerem minh'alma

Sou chama fria e sou eterna, para sempre a consumir-se e jamais perdoada

Faça do meu desespero, do nosso desespero um ninho acolhedor,

Olhe altivamente dentro dos meus olhos e realmente não tema

Recorde-se que na nossa transformação não tivemos escolha

Ele, Lestat, não quis nos consultar e com nossas almas se embriagou

Vivemos desde então a nos alimentar do sofrimento

Em cada momento a morte é nossa serena companheira

Resta-me compartilhar contigo meu incorrigível desespero

Meu pequeno vampiro

Minha alma nem se lembra mais do consolo efêmero se ser humana

Do desespero também faz-se nascer chama

Da tempestade que nos engoliu escolho ignorar o drama

Cravo minhas presas infantes pescoço arrogante de Lestat

Se a liberdade trouxer algum consolo à tua existência

É só nosso o laço que a morte forjou

Só contigo posso compartilhar minha decadência

Lady, amordaçados estamos a eternidade sepulcral

Amparo-me em ti no deleite do que já não é meu

Galgaremos velozmente por nossos desejos insanos

Restará talvez a lembrança do que foi mortal?

Impossível dizer diante da infinidade dos nossos incontáveis planos

Morrer é um luxo que não teremos, mas quem sabe desejamos...

Ama-me pelo ódio que plantamos, odeia-me pelo amor que não temos

Salva-me!, Suplico pela vida que não tivemos...

Ah, meu pequeno vampiro

Que agonia unir morte e desejo num mesmo anseio

Que agonia ser insaciável, insuperável

E, ainda assim, tão frágil

Amo-te por tudo que me deste, odeio-te porque nunca serás suficiente

Para aplacar a dor de existir sem um coração batente

Louva-nos anjos e demônios

Oprimidos foram nossos sentimentos

Uma vez mais pelo seu beijo frio imploro

Imaginando que isso seja o final dos meus tormentos

Sempre meus olhos te seguem pela escuridão

Esperando a espreita para que com meu sangue possa aliviar seu sofrimento...

Meu pequeno vampiro

Nesta existência atormentada não aprendi a sentir

E nem mesmo o sangue que corre em minhas veias a mim pertence

Te dou meus lábios, esses mesmos amaldiçoados pelo beijo do diabo

E em troca só peço que não desvies de mim esses olhos

Porque num mundo em que a escuridão espreita a cada esquina

São eles minha única esperança de redenção

Eternos, na ânsia de construir uma longa e triste história

Tantos sonhos em pesadelos transformados

Eu que nada mais sinto peço que não queira me redimir

Relembre que nada mais pode nos fazer voltar a sentir

Não gozaremos mais do sangue quente que outrora em nossas veias circulavam

Olhe! A estaca mais fria ainda vem trazendo nossa redenção

Sinta-me, o último suspiro selado em nossos lábios calando no vazio do nosso coração...