Mouro
Esmaeço em poesia sem vida,
Pássaro aziago, homem morto,
Em carne aprisionado
E sou hino de amor torto
Dantes fora eu de muitas almas a luz,
Não nego, fui belo mouro
Hoje, porém, sou apenas ave de mau agouro
E serei julgado por um dia abandonar minha cruz
Efebo púbere, encarcerado em corpo de fêmea sofredora
Sem amor, pobre meretriz,
Reles pecadora,
Da angústia é putrefata imperatriz
Ah, e não há como derramar no papel esse brado de agonia
Perco-me pela areia vivida, passada,
Ave angustiada,
Escoo a dor pela maresia
Homem em corpo de frígida mulher
Pelos meus anteriores pecados, agora sou punido com ausência da paixão
Arrasto-me pelo Vale dos Ventos suplicando por um coração
Doirado, pulsante, como qualquer condenado deseja
Enlameado, partido e renegado,
Vomito sangria de minhas veias esmorecidas,
Morro de banzo, mal-amado
E prossigo com meu canto funesto
As mesmas lâminas enferrujadas
Estilhaçam-me inteiro
No meio desse infindo tiroteio
E a dor me perfura, traquejada
Não há remédio pra um coração amargurado,
É pura imperfeição,
Estira-me ao chão,
Sou só mais um infeliz torturado
Amor, amor,
Cresce nas entranhas,
Rasga interiores, concebe pavores
Ah, amor, falo tanto de ti…
Já amei tanto
E entretanto ainda mal sei amar…