PATRIOTA APÁTRICO
(Apenas 10% do poema)
“Pobre Nação – é longe o teu martírio
A tua dor pede vingança e termo...
Muitos hás vertido em lágrima e sangue”
Machado de Assis
I
A minha pátria – como diz Vinícius –,
Talvez me lembre de alguns resquícios –,
Não vejo nada de florão de mata
Nem mesmo um belo cristal de cascata.
Será que ouviram mesmo “as Margens plácidas”
Aquela voz – Dom Pedro! – toda ácida
E se sentiram livres num instante? –
Ouviram mesmo o brado retumbante?!...
Estou às margens do rio Ipiranga,
Aqui na sombra desse pé de manga –
D’um povo heróico, sinto aquele brado
Um brado de revolta – tão magoado...
– Um choro há muito tempo reprimido
Qu’acham que a vida não tem mais sentido
– Sentem que não precisam mais viver,
– Acham que a vida não é só sofrer...
Brasil! Brasil! Brasil bem brasileiro –,
De povo tão passivo – hospitaleiro –,
Sim gente, longe vai temor servil
Lutem pelo país tão varonil.
Lutem! Pois raiou a Liberdade
Lutem! Lutem só em busca de Igualdade
Para vencer o triste preconceito
Que muitos têm, enfim, de qualquer jeito
Ter preconceito num país mestiço
É uma comédia né? – Quem já viu isso?
Se aqui tem preto, branco e amarelo,
Se quase todo povo é singelo?!...
Se têm latinos, turcos, alemães,
Sushis, kibes, massas – quantos pães!...
A miscigenação fez-se mui forte
Aqui é um Paraíso, então suporte!
Eu moro num país bem tropical
Aqui não há vulcões ou vendaval
Nem mesmo terremotos, tempestades
É claro têm, também, dificuldades
Brasil não sabes qu’é o melhor do mundo
Às vezes eu matuto e m’aprofundo
Vocês nem imaginam e nem medem
Aqui, meus bons amigos, foi Éden...
II
Abacaxi, laranja, figo, amora.
Mamão, morango, manga, melancia.
Um éden de pomar – quanta alegria –
É felizardo o ser que aqui mora...
O matagal daqui é reluzente
A folha brilha com’uma esmeralda
A cachoeira se engrinalda
Pela pastagem pura recendente...
Sem guerras, sem lamentos, sem intrigas.
Os árabes, judeus e orientais.
Aqui são bons amigos – pois têm paz
As raças que aqui vivem amigas
Racismo? Preconceito aqui não pode
Nazismo ou fascismo... Tenham dó!
Hipócritas! Nós todos somos pó –
Ninguém, que ninguém mesmo, se incomode.
Brasil não há melhor lugar no mundo
Sim, mesmo tendo vários dos problemas.
Pois os países têm os seus dilemas
Confuso, às vezes, mais profundo...
O vatapá, beiju, a feijoada,
A flor mais rara – a bela flor-do- Lácio
A nossa rica língua – nada fácil –,
Faz essa gente ser bem-vinda, amada.
O povo aqui se chama Simpatia,
Os estrangeiros sentem-se tão bem
Não há melhor lugar que lhes convêm
“Aqui tem muita festa Alegria!”
Aqui se tem o Cristo Redentor
O diamante negro – o Rei Pelé –,
Até Carmem Miranda – sim até –,
E Jorge Amado – grande escritor.
As águas são mais puras – cristalinas
O céu é d’um azul límpido anil
Um clima tropical de pouco frio
Um quadro de perfeita, obra-prima.
O Velho mundo achou-te um Paraíso
Por sua exuberância multicor
A cada passarinho, cada flor,
Transmitiam um novo sorriso...
III
O Saque, a seca, a fome no Nordeste,
Um desespero com melancolia,
Pois tantos sofrimentos, tanta peste;
Persegue o pobre povo dia-a-dia...
Eu vejo tanta fé naquele povo
Que se mutilam tanto, tanto, tanto,
Quantas quimeras cada ano-novo
As novidades mesmo no entanto...
...Eu nunca vejo vir – acontecer
E quando chega mais uma eleição,
Políticos começam prometer:
“Não vai haver mais seca ou inanição!
“Acabarei com analfabetismo!
Também revisarei a Reforma agrária...”
E o povo, então, naquele romantismo
Não sabe que a promessa é temporária.
Pois imaginam só se resolvido
Esses problemas todos da Nação?!
Quando passasse ao próximo partido
O quê prometeriam? – Nada. Então
É bom continuar na mesma lama
Votar por uns trocados ou comida
Coitado de quem faz como se engana
A chance vai-se – fica, então, perdida...
Cuidado oh povo meu! Muito cuidado!
Pois um minuto apenas, vale anos,
Depois de ter seu voto assim logrado
As grans decepções e desenganos...
Virão tão certamente quanto à morte
O povo brasileiro é sofredor
E mesmo assim é forte – muito forte –,
Esperançoso pra curar a dor
E mesmo assim são bravos e são bélicos
E são carnavalescos – fanfarristas,
Passando privações – sendo famélicos
E tudo é uma piada em suas listas
Chora, chora Nação arrenegada,
Já não basta de tantos sofrimentos?!
Se bastasse uma bela madrugada
Pra viver-se feliz por uns instantes...
continua...