EUTANÁSIA

“Enquanto isso, na enfermaria,

todos os doentes estão cantando

sucessos populares”

Renato Russo

EUTANÁSIA

Tenho duas mãos

Uma tem sono e a outra sente dor

Tenho dois pulmões

Um é negro e no outro há perfurações

Tenho duas orelhas

Uma tem brinco, a outra queima

Tenho muitas veias

Mas algumas estão entupidas

Tenho dois hemisférios cerebrais

Um ama, o outro odeia

Tenho duas pernas

Uma se empurra, a outra espera

Tenho milhares de fios de cabelo

Lisos na frente, atrás são rebeldes

Tenho trinta dentes

Quatro caninos, mas nem parecem (ser)

Tenho um estômago

Às vezes de elefante, às vezes de formiga,

De digestão dinamite

Razão assiste ao doutor:

Ácidas enzimas

Saborosa ptialina

Tenho dois olhos

Com graus diversos de miopia

Tenho dois pés gelados

Que não andam sem meias

Tenho tripas esbulhadas

Como todo mundo

Tenho coronárias vitimadas

Melindrosas aos 50 (ou antes)

Tenho um sexo litigante

Tenho narinas ofegantes

Tenho uma traquéia trancada

Um baço embalsamado

Um pâncreas hipoglicêmico

Dois rins,

Um de pedras, o outro alcoolizado

Tenho cirrose genética

E medo de câncer

Tenho medula óssea incompatível

Sangue denso e negativo

Tenho quelóides na derme

Varizes na pele

E alma asmática

Tenho um útero abortado

Em fetos e desafetos

Omoplatas corcundas

Fronetais derramadas

Melaninas desbotadas

Desabotoados meus pontos

Da última cirurgia.

Elmer Giuliano
Enviado por Elmer Giuliano em 04/04/2008
Reeditado em 07/10/2022
Código do texto: T931356
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