SOBRE A IMPOSSIBILIDADE DE SER FELIZ

Eu não me imagino sendo feliz,

Harmonicamente, feliz,

Enquanto um único membro,

Da minha grande família

de seres humanos não for feliz...

Eu não me imagino ser feliz

Enquanto eu ver um de meus irmãos,

Puxando uma carroça cheia de lixo,

Restos de consumo, ao qual não tem acesso.

Eu não me imagino sendo feliz,

Enquanto eu ver um de meus irmãos,

Dormindo nas calçadas frias do inverno,

Coberto com o manto da indiferença.

Eu não me imagino sendo feliz,

Enquanto eu ver um de meus irmãos,

Morando nas cidades, em barracos de papelão,

Enquanto ao seu derredor elevam-se faraônicos edifícios,

Aonde se instala a deusa da justiça,

em cuja balança, quase sempre,

Os pratos não têm o mesmo peso.

Eu não me imagino ser feliz,

Enquanto eu ver um de meus irmãos,

Esperar longas horas , em filas de tamanho imenso,

Na espera da esmola de uma consulta na qual,

Para mitigar suas dores ,quem lhe atender,

gastará cinco minutos.

Eu não me imagino sendo feliz,

Enquanto existem tão poucos, com tanta terra,

Produzindo nada.

E milhares sem qualquer terra tendo o sonho de

Produzir, pelo menos, o alimento que lhe mate a fome.

Eu não me imagino sendo feliz,

Enquanto eu ver um de meus irmãos,

Pequeninos ou grandes irmãos, de mão estendida, nas sinaleiras,

Mendigar algum trocado para comprar o pão de cada dia,

Ou para comprar a cachaça de cada dia,

Lenitivo cruel, única forma que têm, os miseráveis,

De fugir vida e se embalar nos sonhos.

Eu não me imagino sendo feliz,

Enquanto um de meus irmãos,

Nascer na mais universal miséria,

Para crescer passando fome,

E quando grande se tornar bandido,

Apodrecendo nas prisões,

E morrer se libertando, da crueldade de sua viagem,

pelas balas disparadas pela Polícia,

Ou partidas, cruelmente,

Das armas de seus próprios irmãos.

Eu não me imagino sendo feliz,

Enquanto um de meus irmãos,

Sofrer humilhações dos poderosos,

E não ter quem lhe defenda a causa,

Ou lhe ofereça a mão.

Eu não me imagino sendo feliz,

Enquanto irmãos, da universal família,

Não tiver, pão, escola, casa e dignidade,

Capazes de lhe fazer cidadãos iguais a cidadãos,

E também se sentir seguro, amado e feliz.

Saindo da condição de sub-humano,

Para construir um novo mundo,

Sem fome,

Sem dor,

Sem sofrimento,

Com escolas, com saúde, com trabalho,

Com moradias,

Sem criminalidade,

Com passeio na praça, aos domingos,

Com certeza de poder amar e ser feliz

Com um pedaço de terra para seu sustento

Enquanto vivo,

E para seu repouso eterno, enquanto morto!

Eu não me imagino sendo feliz,

Enquanto um de meus irmãos, por ser analfabeto,

Não puder ler um poema, mal escrito poema, talvez,

Mas sempre um poema.!!!!

Porto Alegre, 19.09.2006, 07 horas da manhã

ERNER MACHADO
Enviado por ERNER MACHADO em 14/12/2024
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