FÁBULA DO CASTIGO QUE NÃO PROVÉM DE DEUS
Proliferam os pobres passarinhos,
mas vêem as terras ocupadas por aves de nobreza;
pensam onde abrigarem tantos filhotes, em ninhos;
reclamam um lugar para a habitação,
e somente escutam vozes de rudeza,
vindos da perdiz, do peru e do faisão.
As aves nobres sondam a redondeza,
e cedem-lhes, no declive, uma parte malsã,
cujo terreno não apresentava firmeza,
como se estivesse montado sobre rolimã.
- Teve início a grande construção -
Vez em quando, caíam carcaças do céu,
ferindo a passarada e casebres em ascensão.
“Quem joga esses ossos das alturas,
que transforma a nossa vida, em agrura?”
- Muitos perguntavam ao vento, que descia. –
E vinha resposta medrosa, a meio bico:
“São os deuses da rapina e orgia !”
Piados e estalidos de penas
chamaram a atenção de um olhar, no desfiladeiro;
uma águia gritou com zombaria,
vendo o aumento das choupanas:
“A ralé vem trinar em nosso terreiro?”
Advertiu de pronto, o falcão:
“Não ousem arranhar-céus com pequenas garras,
haverá castigo, essa abominação !”
O condor, como soltasse as amarras,
sacudiu a pluma, causando um vendaval.
A voz rouca, semelhante ao trovão:
“Que inverso há na estratificação social?
Convém aos pequenos, o chão,
onde devem permanecer empoleirados
sofrendo a tortura de um comichão!”
Pigarreou, encerrando as palavras duras:
“Somente aves respeitadas podem viver em coberturas”
O búteo de cauda avermelhada,
convocou ao combate incruento:
“Voemos todos, com asas ampliadas,
roçando as nuvens, num bombardeamento.”
- Partiram como esquadra, em formação –
De repente, rompeu-se o forro do céu.
Caíram pingos, granizo, em precipitação.
O assoalho da serra deslizou,
em meio a lama, formou-se um escarcéu.
O que parecia firme, fez-se letal,
arrastando ovos, bruguelos em tremor,
mobílias de ramo tortuoso,
armações em fibra vegetal,
num imenso rio sinuoso,
onde a morte, o repórter viu banal.