A indústria da seca
Na minha aldeia
A coisa está feia por falta de água,
Da água que não falta nesse chão.
Aqui a caminhada deixa o povo na mão
De quem pinta e borda, deita e rola
Em cima do povo, que assim precisa de esmola.
Esse alçapão parece de espuma de sabão,
Mas é duro como pedra
E dura tanto que me quebra.
Se cavar o chão a água vem pra mão,
Com a água na mão vem o pão,
Com o pão vai o problema,
Vem a solução para quem sofre.
Mas solucionar não é a melhor opção
Na visão de quem tem um cofre.
Até entendo que o dono de funerária fique alegre com a morte,
O mecânico com o motorista em má sorte,
O médico com o paciente...
Mas a indústria da seca é diferente.
Ela deixa o homem sem pernas
Para que a festa da casa grande seja eterna.
Ela não apenas lucra com a desgraça alheia.
Ela impede que o homem se desamarre da correia.
Quando o povo está a morrer de fome e de sede,
Certos socorristas formam uma rede
Que fica com o que vem da distribuição:
O cabresto, o curral, o mercado, a eleição...
A seca seca a esperança,
Que murcha e estrebucha
Cercada pelos que não querem mudança.
A fome que consome
Serve de instrumento
Para o lobisomem fazer o nome.