`` A mãe do cativo ``

 

 

 

Ó  mãe do cativo! que alegre balanças

A rede que ataste nos galhos da selva!

Melhor tu farias se à pobre criança

Cavasses a cova por baixo da relva.

 

Ó mãe do cativo! que fias à noite

As roupas do filho na choça da palha!

Melhor tu farias se ao pobre pequeno

Tecesses o pano da branca mortalha.

 

Misérrima! E ensinas ao triste menino

Que existem virtudes e crimes no mundo

E ensinas ao filho que seja brioso,

Que evite dos vícios o abismo profundo ...

 

E louca, sacodes nesta alma, inda em trevas,

O raio da espr'ança... Cruel ironia!

E ao pássaro mandas voar no infinito,

Enquanto que o prende cadeia sombria! ...

 

II

 

Ó Mãe! não despertes est'alma que dorme,

Com o verbo sublime do Mártir da Cruz!

O pobre que rola no abismo sem termo

Pra qu'há de sondá-lo... Que morra sem luz.

 

Não vês no futuro seu negro fadário,

Ó cega divina que cegas de amor?!

Ensina a teu filho - desonra, misérias,

A vida nos crimes - a morte na dor.

 

Que seja covarde... que marche encurvado...

Que de homem se torne sombrio reptíl.

Nem core de pejo, nem trema de raiva

Se a face lhe cortam com o látego vil.

 

Arranca-o do leito... seu corpo habitue-se

Ao frio das noites, aos raios do sol.

Na vida - só cabe-lhe a tanga rasgada!

Na morte - só cabe-lhe o roto lençol.

 

Ensina-o que morda... mas pérfido oculte-se

Bem como a serpente por baixo da chã

Que impávido veja seus pais desonrados,

Que veja sorrindo mancharem-lhe a irmã.

 

Ensina-lhe as dores de um fero trabalho...

Trabalho que pagam com pútrido pão.

Depois que os amigos açoite no tronco...

Depois que adormeça co'o sono de um cão.

 

Criança - não trema dos transes de um mártir!

Mancebo - não sonhe delírios de amor!

Marido - que a esposa conduza sorrindo

Ao leito devasso do próprio senhor! ...

 

São estes os cantos que deves na terra

Ao mísero escravo somente ensinar.

Ó Mãe que balanças a rede selvagem

Que ataste nos troncos do vasto palmar.

 

III

 

Ó Mãe do cativo, que fias à noite

À luz da candeia na choça de palha!

Embala teu filho com essas cantigas...

Ou tece-lhe o pano da branca mortalha.

 

Castro Alves

 

Do livro: "Poetas Românticos Brasileiros", Vol. I, Editora Lumen, SP, s/ano

Antônio Frederico de Castro Alves foi um poeta brasileiro. Escreveu clássicos como Espumas Flutuantes e Hinos do Equador, que o alçaram à posição de maior entre seus contemporâneos, Nascimento: 14 de março de 1847 e Falecimento: 6 de julho de 1871
Enviado por laylaemajnun em 20/03/2024
Reeditado em 21/03/2024
Código do texto: T8024264
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