Sobre fé e algumas histórias da minha área.
Cético
Tão cético
Pai Cipriano que é médico
Diz fé no que eu carrego
Tomei logo um descarrego
Ebó, banho de pipoca
Me deu um tremendo nó
Mas continuei cético
Devoto de São Tomé
Se crê naquilo que se vê
Não é falta de fé
Deus há de entender tudo que eu vi
Ele sabe do desastre
De ver amigo de infância definhando pro crack
Ou o MX que morreu longe de casa
Ambos sonhavam em ser craque.
Da bola, depois da boca
Tinha dezoito anos
E eu nem lembro a última coisa que ouvi da sua boca
História dessa no meu bairro é lixo
Jacó, menor bom
Não foi pego no artigo
Mas a droga deu fim definitivo
Vulgo jogador
Tinha tudo pra ser
Mas por aqui é foda crescer
Várias temporadas em Bangu
O que mantém vivo o amor?
Vulgo vinte e cinco
Se foi antes dos vinte e cinco
Porra de mundo cínico
Isso te ilude demais, primo
Entrar pra boca é decisão de morte ou vida
Lembro do menor Magno
Papo de opera no primeiro dia
Nem deu tempo de receber conselho da família
Dé, Marcelinho, Boi branco
Os vulgos e as histórias se repetem
Num ciclo interminável de lástima
Os desgraçados da classe se alimentam da nossa lágrima
Do outro lado do mapa carioca
Playboy com um quilo de pó
Esse nem precisa de ebó
Aqui ele é o Deus do Judiciário
Porra de tratamento paritário
Eu sei que se fosse um neguinho
Já tava no fundo do sistema carcerário
E aí? Como não ser cético?
Me responde, porra
Como acreditar nessa harmonia ilusória?!
É tipo a lógica da palmatória
Tomar porrada pra construir crença
Mas eu continuo pedindo a bença
Não consigo desacreditar
Quando a baiana começa a girar
Zé e Navalha, encantados, a fumar
Outra coisa que fortalece minha fé
É o sorriso das crianças
No mundo novo a esperança
Isso eu nunca vou abandonar.
Espero que Deus não se chateie
Não tenho medo de ser castigado
Afinal, quem eu citei nesse poema
Cria em Deus
E foi ceifado pelo deus Estado.