Poética - Artémis
"Ao mundo lançaram-me em um cenário estranho as minhas aspirações, e nos confins da existência flutuei para fora dos gestos da vida, donde pude desancorar-me e observar a expressão de tudo sem a consciência intervir."
Das profundezas do meu ócio elevou-se toda uma elegia mental de deuses, ninfas e mistérios -
Nela os deuses criavam as ninfas para seduzir os mistérios e fazê-los desvendar-se em cada gesto meu.
Enquanto meus olhos apertavam-me para o fundo da minha mente, os pensamentos afundavam como lamparinas queimando na escuridão do esquecimento.
De lá voltavam minhas palavras, embaçadas e sem que nenhuma luz pudesse me alcançar ou traduzir-me.
Assim os mistérios titubeavam em um lapso de memória ou em uma breve distração da qual eu não podia mais voltar.
"Ó consciência, vedes que não quero mais atuar, logo, vejo-te presa a mim e fora do meu papel - cenário em que lutas para se exprimir, mas no fim fenece sem se ver em nada que lhe puxe para fora e lhe faça nascer."
Chego a duvidar se existo embalada nesta pele que esconde-me como se eu fosse um fruto proibido ao mundo.
E como hei de descascá-la sem esfolar
meus medos e vê-los respingar o azedume nas feridas do tempo?
No fim, ofereço-me em sacrifício poético.
Minhas contusões se espelham
no rubor das papoulas e o vermelho delas conversa com as minhas feridas.
Anestesiada, entrego minha luz para que elas façam fotossíntese e ao fim do dia o torpor dos rostos conhecidos desmacham para que de mim eu possa sair.
- Letícia Sales
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