Ruídos escravocratas

Ouço uma multidão de negros. Um cai, outro o ajuda impiedosamente o chicote os derruba.

Deste chão que cultivam,

nenhum fruto lhes serão dados pelo pranto. Seu corpo já não se sustenta. As pernas cansadas. As costas pelo chicote marcadas.

Da terra que vieram, só o pó nos pés trouxeram. Nesta terra em que trabalham, como filhos dela se enraizaram. A vida que lhes deu o Divino. A morte escravocrata é seu destino.

Ouço o estalar do chicote

nos ossos de homens negros predestinados à morte. Reprimidos, suor escorre. Dores carnais, dores espirituais. Ouve-se o Grito de Zumbi dos Palmares aos demais. Clamando liberdade, morre.

Ouço danças no estrelar da madrugada rompendo-se na alvorada. Oprimem-nos a luz do dia. Buscam refúgio na escuridão e no luar. O sol ofusca uma liberdade gloriosa.

Batinas negras entre tantos negros.

Ante a Imagem da Conceição, cultuam Iemanjá.

Perante os jesuítas, santos; às escondidas, orixás.

Ouço gritos! Uma negra a luz acaba de dar. A seu filho a escuridão acabou de chegar. Seios negros aleitas com amor. Da infância acorrentada, a pergunta: “De quem é filho? Qual sangue corre na veia?” Pobre, desgraçado! És filho do teu senhor, embora como servo te registrou.

Ouço um navio! O navio negreiro do cais se aproxima. Não jogam a âncora, jogam negros de cima! Como mercadoria, aí são despejados corpos sobre corpos, vivos e mortos.

Ouço preconceito! “Macaco! Macaco! Macaco!”. Outrora fostes escravo.

Escravizado permanece. Palavras raivosas te acorrentas. A terra é um inferno que te atormentas. Ora escravo, ora macaco, tu, negro, padece.

Do passado, ouço o estalar. Do presente, ouço impropérios. Do futuro, o romper das correntes.