É JUSTO? (2)

Garimpar imagens na internet e compará-las pode ser um bom exercício para compreender o mundo nos dias de hoje. Muitas vezes as imagens falam por si mesmas, como nas fotografias de Sebastião Salgado, mas elas podem (servem) para ilustrar crônicas e poemas como é o caso do meu poema "O Conhecimento Espelhado". As imagens podem ajudar na compreensão de textos, podem? Elas podem falar mais que os textos. Às imagens e ao poema!

 

SOMOS TODOS IGUAIS?

 

TEMOS OS MESMOS DIREITOS?

 

O CONHECIMENTO ESPELHADO

 

Porque somos todos iguais,

Não podemos aceitar a exclusão

Pela diferença

E não podemos ser

Indiferentes.

A indiferença afasta

E desiguala.

 

Porque, para sermos humanos

De verdade,

Devemos de verdade aprender

A viver em sociedade,

Onde nos tornamos

Verdadeiramente humanos

E, para sermos humanos verdadeiros,

Só o que é justo a todos

Deve ser

Verdadeiramente aceitável.

 

Não é justo

Que uns possam acessar saberes

Mais facilmente e melhor

Que outros,

Achando que o outro

É só o outro

E que eles são mais eles.

 

Eu sou eu (humano)

Porque o outro é outro

Tão humano como eu,

Como num espelho plano e polido

A me refletir.

 

O espelho perfeito me espelha

Apenas de forma invertida,

Mas as proporções do outro lado

São as mesmas,

Idênticas,

Reais.

 

Quando o espelho se deforma

O outro que vejo à frente

Deformado me parece.

Acessos diferenciados aos saberes

Deformam e embaçam

O espelhos colocados à frente

De cada um.

 

UM POUCO DE CONVERSA E MAIS DOIS POEMAS

 

Em 1975, lá se vão mais de 40 anos, eu escrevi dois poemas que têm a ver com o que está exposto acima. Naquela época eu ainda não tinha a compreensão da abrangência de ambos. Em "Jogo de Espelhos", consegui alcançar a compreensão de que somos reflexos de tudo que está à nossa volta, que somos imagens distorcidas em espelhos imperfeitos e que isto nos assusta. Em "Vida-Medo", compreendi que o medo distorce a nossa visão da realidade e o centro do medo é algo muito primitivo e está ligado à sobrevivência material, que em tempos longínquos era muito mais difícil que hoje, trata-se do medo ancestral da escassez.

 

O medo da escassez nos coloca no mundo de forma egoísta e nos afasta da nossa verdadeira essência que é altruísta e compassiva. O afastamento é tamanho que chegamos a achar natural a diferença brutal entre as duas salas de aula das imagens expostas aqui. Na verdade, chegamos a desejar que só os nossos filhos tenham acesso à melhor sala e que os filhos dos outros fiquem na pior, pois isto colocará os primeiros em vantagem em relação aos segundos, neste nosso mundo competitivo que construímos por conta do desnecessário medo da escassez. O medo é um grande mal ou, melhor, pode ser a raiz de muitos males, pois ele faz com que nos afastemos da nossa verdadeira humanidade. Aos dois poemas!

 

JOGO DE ESPELHOS

 

Somos imagens em espelhos,

espelhos sem polidura,

imagens distorcidas,

reais.

 

À frente do espelho

vivemos,

distorcidos e assustados,

perdidos nas nossas contemplações,

tão distorcidas

quanto a imagem

refletida

 

À frente do espelho

vivemos,

fundidos a ele,

formando um só ser:

o espelho.

 

Zildo Gallo - Americana, SP, 16 de janeiro de 1975

 

VIDA-MEDO

 

De todos um pouco

nunca de ninguém

medo... medo...

tudo a medo

algo que se move

convulso dentro de cada ser

medo-vida

medo de não ter

de perder

nada

tudo.

 

Zildo Gallo - Ameircana, SP, 20 de agosto de 1975