Mantimentos
algum sal
pouco óleo
nenhum café
não cabem na foto os rostos cansados
a pobreza, a aflição e o desemprego
os corpos triturados pela luta
todos os traços e feridas desse enredo
algum leite
pouco açúcar
nenhuma carne
a dor-cidadã não compra empatia
os itens essenciais escapam do verso
o preço do pão, do arroz com feijão
em contexto roto de desproteção
algum tomate
pouca batata
nenhum macarrão
no gás, na luz, no telefone a tocar,
as angústias a cantarolar atrasos
o minguado provento salarial
da sobrevivência não remedia o mal
algum biscoito
pouca manteiga
nenhum ovo
é preciso verter o suor, a entrega,
é preciso apertar o passo, forjar o aço
nas oficinas escuras e sem espaço
estar sempre aquém do esplendor da vida
algum sabonete
pouco papel higiênico
nenhum creme dental
são sorrisos e ousadias proletárias
são limiares e entrelinhas sombrias
são escreviventes, sonhadores e gentes
em meio ao caos, às avarezas e avarias