Recife
Avistei Carlos Drummond de andada pela cidade, com uma lata de cola numa das mãos; na outra, uma necessidade de pão.
Os netos de João Cabral tão vendo se descolam um trocado no sinal, que, por sinal, está fechado - vendendo pipoca e água, pra pagar o aluguel e os fiados;
O filho mais velho de mais um Carlos não foi matriculado na escola; logo, as más escolhas, o caminho errado: a rádio patrulha e o cemitério de Santo Amaro à espreita, cortesia do Estado.
Dá pena ver Manuel deitado na sarjeta, coberto por uma bandeira rasgada que lhe serve de cobertor, protegendo-o do açoite do frio da noite;
Clarice desperta o interesse da classe média e da plebe com seus ácidos lisérgicos; minto, ela vende água pra continuar viva!
Miró atira um poema no peito de Rebeca na linha do tiro, e mira em quem chegar perto;
Josué, descalço, cata caranguejo pra vender na feira de Santana, aliás, de Peixinhos, pra poder botar o pão, e caícu, na mesa mais tarde, e, quem sabe, comprar um vinho carreteiro;
Felipe toma uma cana e mostra seu poezine a um bebo que passa no beco da fome - este também com a droga da fome!
No mercado da boa vista, Maria, com seu vestido vermelho, canta e gira, o corpo em chamas, botando mais uma de Ave Sangria na radiola de ficha;
Da lua, surge Erickson, insone, como um santo boêmio, a proclamar seus versos de luta e lama, noite adentro;
De repente, de onde sentava, salta Cida, empunhando suas pedrosas palavras contra a polícia, que se aproxima;
Valmir que acabara de chegar de um sarau no bairro do Jordão, foi logo metendo uns versos libertários na cara da dita linha dura;
Chico, que espiara o ocorrido na posteridade, fez-se carne pra degolar a cabeça nefasta da censura;
Se afasta, se afasta, que lá vem outro Chico com seu gingado, carregando uma tonelada de maracatu psicodélico e mais um pouco de capoeira da pesada…
Com uma flor no bico, beijando a garrafa, vai outro Chico lutando sua luta diária, com classe...