O pobre homem consciente
Existe um som que o crepúsculo anuncia
Pode ser um som de liberdade ou de agonia
Se noturno, expõe o regozijo
Se matutino, o choro.
Aqueles que jamais sentiram pesar-lhes sobre aos mãos uma enxada
Não podem sentir os crepúsculos
Isto é habilidade daqueles cuja vida inteira foi dedicada ao labor
Estes podem prever o sol e a chuva
O amanhecer e o cair da noite
O rigor militar do trabalho lhes impôs a disciplina
A disciplina, o método
Às 7 é hora do batente
Não antes do café e do cigarro
Ao meio-dia lhe dão valiosos 30 minutos para o almoço
E esse moço que só havia dormido 4 horas
Rapidamente retorna à labuta sem sequer escovar os dentes
Seis horas da noite enfim, a liberdade diária
Pode agora este homem desfrutar de sua casa
Não antes de enfrentar o Japeri lotado
Cuja consolação do homem
Quase sem um centavo
É comprar com ambulantes itens barateados
Na hora da janta, comida fria
Acabou o gás de cozinha
O final do mês chegou e o homem não quer ficar devendo à milícia
Ao menos ainda lhe restara a água para um banho
Esta danada que insiste em aparecer aos pobres apenas 2 vezes por semana
Mal dormiu nosso pobre homem
Já é hora de levantar da cama
Coisa que ele faz sem precisar de drama
Afinal, a disciplina lhe ensinou a despertar
Ao som do primeiro galo que canta.
Na ida para o trabalho, os burburinhos são insistentes
O povo reclama sem cessar
Do cansaço, do patrão, do salário
Do Presidente
O homem, por sua vez, não consegue lhes compreender
Tendo casa, comida e trabalho
O que mais podem querer?
O ideal que lhe colocaram na cabeça sempre foi obedecer
As coisas são como são, não tente entender
O consolo vem de Deus, da família, ou nos prazeres carnais pra entreter
São artifícios poderoso feitos para iludir
Contudo, a realidade material insiste em sobressair
É dia de pagamento, enfim
Todos os trabalhadores em êxtase olham suas contas sem cessar
Estamos numa crise geral, diz o patrão
Vossos salários irão atrasar
Duro e calado permanece o homem
Não aprendeu a se revoltar
Aqueles jovens loucos de bonés vermelhos
Enfim estavam com a razão
A recessão chegou, o salário minguou
Os alimentos estão caros e nem pra cerveja esse mês sobrou
Na primeira leva de demissões, o pobre homem embarcou
Não podia aceitar que logo ele
Tão decente, tão trabalhador
Fora descartado como lixo pelo “empregador”
Fiquei anos sem ter notícias do pobre homem
Disseram-me que foi visto em uma fábrica fazendo agitação
A polícia agora lhe persegue
É temido pelo patrão
O motivo de odiarem esse cabra
É que agora ele fala em Revolução
Inspirado na canção “João Ninguém” do grande Noel Rosa