O lamento do malandro
O lamento do malandro – Antonio Leandro Fagundes Sarno
Eu, malandro, canto samba na favela,
Mesmo andando na viela e
Reclamando da exploração.
Todo dia faço das tripas coração,
Entre um bico e uma prece,
Pois quando, finalmente, anoitece,
No boteco é que encontro distração.
O meu trabalho é mercadoria,
Virei MEI, nem sei nem o que é,
Mas tenho talão de notas do ISS.
Carteira de trabalho? Não uso mais...
Continuo explorado e com menos direitos.
Tá bom pra quem? Sempre me faço essa pergunta...
A vida do bom malandro tem que ser assim?
Quando volto pra casa, realidade...
Onde clamo pelo tal penhor da igualdade.
Enquanto vejo a chuva acabando com a favela,
O meu barracão já virou barco à vela,
Travela, sovela, mazela, novela...
Quando a chuva passa, sem graça,
Na minha maloca eu abro uma cachaça,
Tocando um samba do Adoniran na vitrola
Velha e com uma caixa só.
Enquanto vou secando o chão de barro batido,
Fecho a cortina feita com rabiola,
Pra esquecer a minha indignação com essa aflição.
Abolição? Não sei, nunca vi... aqui ainda não chegou.
Se estava vindo, cansou... ou quem sabe na estrada escorregou.
Reclamar? Não posso e não tenho pra quem.
Vivo calado, pelo braço armado do Estado, sou silenciado!
A morte? Vejo de perto todo dia, que agonia!
Mas ela não mora no seio da liberdade,
Mora onde o pobre não tem campos risonhos, nem flores,
Nem bosques, nem vida, nem amores.
Eu já falei pra meu santo que eu quero mudar,
Pois a sina desatina a minha rotina na faxina...
São Jorge guerreiro, meu Ogum que sempre me ronda,
Não se esqueça deste malandro que, além de pobre,
Teve a ousadia de juntar melanina!
Com a fé que me resta, final de semana eu só jogo em leão...
No jogo do bicho ou na rifa do cão!