Fofoqueiros

Na rua onde moro, pipoca gente linguaruda

É condomínio, é viela, olhando pela janela...

Você até se sente famoso

Será que tô na Globo?

Ah, pode apostar que te vigiam de todo lugar

Sem qualquer sermão

Estão doidos pra mais uma baldeação

Afinal, fofocar é divertido

Se você não repara mais no tempo perdido

Que tanto anseia partir

Então, que ele escape e fuja de ti

Vagando eternamente sem ter onde pousar...

Na rua onde moro, só tem detetive

Dos bons, é elite

Começa desde pequeno

Aquele menino remelento que vive sentado ali no cimento

Já manga dos outros, inventa estória, capeta demais

Que audaz esse rapaz!

Tem criança, tem idoso

A fofoca sai com gosto

Mostrando nossa tradição.

Fofocar é lazer

Permeia classes sociais, unindo as pessoas com causas iguais

Muitas vezes banais

De seres superficiais

Fofocar por prazer

Quando não se tem muito mais o que fazer

Além de ver TV ou atualizar o feed do celular...

E do jeito que está

A fofoca não vai parar

Cada vez maior e mais poderosa

Ganha força, faz-se a cova.

Seria esse o principal meio de nos socializar?

Não querem mais saber como você está...

Querem saber do tamanho corpo que vai mostrar

Quando forem passear naquela praia de areia macia

E se o biquíni for GG, já vão ter mais uma piada pra soltar

Gorda não usa isso, gorda usa aquilo

Anda, corre, perde mais um quilo

Senão, os olhos vão te furar até você não aguentar mais sorrir de volta.

Porque eles não querem conhecer seu cantor favorito...

Querem saber quanto você pode gastar naquele vestido

Nem querem saber do filme que te fez chorar e rir ao mesmo tempo...

O que interessa mesmo é saber do seu sofrimento

Pra depois contar ao deus dará

Cheio de aspas pra acrescentar

Na cidade onde moro, pipoca gente linguaruda

Em condomínio, viela, olhando pela janela...

Estão todos atentos

Pra criar mais um tormento

São quase um monumento que o nosso povo tem pra dar

Afinal, fofoca é cultura

Pra inventar mais histórias

Que ferem os sentimentos alheios

E às vezes causam danos sem volta

Rodeios a sua escolta.

E só nos restam laços fracos de pessoas fracas

Fracas de coragem para tocar outro ser sem machucar

Tocar gentilmente e abraçar de verdade

O que falta é coragem!

Daqui a pouco a língua cai da boca

Melando toda a sua roupa tão engomada

Que de tão linda, mostrou-se só um disfarce

Por carregar a falta de poder ser real.

Isis do Vale
Enviado por Isis do Vale em 17/11/2022
Código do texto: T7652237
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