TÓXICO
Ele zomba, ri, humilha, dança em cima do túmulo; ele quer se dar bem,
não importa como, nem sobre quem.
Ele pensa que o mundo é um teatro e sua vida única peça em cartaz.
Seu gesto vara o dia, noite, praças, mercados, praia, se espraia na orla,
adentra os mares, contamina os peixes, deflora a fauna.
Seus atos poluem o ar que atravessam, desertificam o terreno arado de
poesia, desintegram o organismo bem elaborado das coisas, pulverizam a raiz
molhada de vida e desembocam sempre no seu corpo, sem sangue, sem veia,
sem pulso, mero arcabouço.
Suas mãos tocam seus músculos - sua glória, onde começa e termina sua
história, seu ponto de partida e chegada ao vácuo.
Sente-se dono da verdade na bolha em que só cabe ele e seu umbigo,
infringe aceitação, adequa os movimentos em sua direção,
desloca a aura solidária.
Ele é soberbo, embebido na essência única e palatável de seu embuste que
carrega na mala de intenções.
Fabrica rótulos para ser incluído na roda dos iguais, que gira em torno
do seu eixo e dissemina sementes ungidas de toxinas, corroídas nas
entranhas.
Ele é os olhos da humanidade cravados em si, em sua pele, cabelo, boca,
olhos, nariz... é sua natureza inflada de ego, destituída do mundo, descolada
do fluxo, intoxicada de permanência.
Ele não sonha, tem pesadelo; o sonho é amigo dos loucos, do amor,
da alegria, da harmonia, do coletivo; antítese do desprezo que seu
arquétipo leva nas rédeas do individualismo.
Sua forma é sintética - não couro legítimo, mas ele a faz parecer de touro
quando monta e vê a arena com seu olhar oblíquo.