O fim desta época
Os pedintes desta cidade têm sido mais insistentes
Porque mais insistente tem sido a fome
O semblante médio tem sido de tensão
Porque nos tensiona cada vez mais a miséria
O sol torra o asfalto, o asfalto tosta os miseráveis
Multidões pardas caminham brutalizadas
Em arruinada paisagem semi-urbana
Gerando esta regular sensação de caos
A realidade pesa tanto que alucina
E se decompõe na mesma medida
Maior a dor, menor o número
Dos que conseguem manter-se sóbrios
E sorte daqueles que, por ora, ainda podem
Vender sua força de trabalho à exaustão
Pois perecem os inválidos e viciados
E perecem os que precisam vender seus corpos
Toda forma social, antes de desaparecer
Primeiro enlouquece
Aguça tudo que há de vil
Mas também tudo que há de mais nobre
Em cada parte se acumula material inflamável
Que exige doses cavalares de anestesia social
Para evitar explosões generalizadas
Mas sem dúvidas há já cheiro de fumaça no ar
Há nos lugares um clima de ansiedade geral
Em que toda a gente aguarda algum grande fato
Que desafie a vida como está posta
Enquanto mobilizam os nervos e músculos
Para garantir a sobrevivência diária
Mas as conversas de pé de ouvido
Os olhares que se cruzam
E os bilhetes deixados nas esquinas e subterrâneos...
Tudo revela
Que os de baixo não podem seguir vivendo como antes.