Um Morto se Comunica com os Vivos
Preciso te descrever a minha raiva,
A indignação que sai de frios lábios,
Meu desconforto com a bestial rotina
Feito rio de turvas águas que mata
A sede no mundo dos vivos.
Ninguém aí se culpa pela minha morte? Não lembram
Das centenas de vidas ceifadas pela pandemia?
Presos num eterno imobilismo,
Os vivos nada fazem para punir os genocidas.
Os protocolares pedidos de impeachment
Nem incomodam o facistóide mor.
Kafka ri aqui do meu lado e diz que os magistrados
Brasileiros são fantoches burocráticos de uma
Elite que desdenha da vida operária.
Orçamentos secretos que legitimam corrupções,
Verbas da saúde usadas para montar banquetes militares,
Tetos de gastos públicos que limitam benesses ao povo,
Miséria, descaso, suicídios a todo instante...
Fui apenas curta nota nos noticiários da mídia conivente?
Nós (os mortos) somos meras estatísticas a serem discursadas
Por parlamentares e togados em seus incontáveis privilégios?
Tudo aí é silêncio na mistura de ignorância e reto conformismo.
Invoco a memória empapada de sangue, as cinzas do luto, para que vocês,
Os ditos vivos celebrem a vida com justiça e liberdade.