Poética - Pandemônio
"Quando as fronteiras entre o céu e inferno se ergueram, um local distante das metrópoles fora tomado pela névoa da amnésia; ali formou-se o abismo dos esquecidos."
Na terra da amnésia, ambulâncias se movem com o motor da exaustão e sirenes uivam nos becos da aflição.
Da ponte pra cá, educam-nos para o desperdício, cortam nossas asas e nos atiram do paraíso.
Na terra da amnésia não há espaço para existir, pois as lesões do tempo saturam tudo o que seríamos na memória da história.
O esquecimento nos pavimenta e nos comprime a nossa voz no solo da vida.
Em nossos âmagos há fúria legítima, mas as palavras não a alcançam ou a definem.
Em vão, a fúria cresce na miopia.
Sob a distância a cólera escapa e atinge quem não devia.
"Ó pai, expurgai nossas almas dos suicidas, dos comunistas e dos gays, pois nossos olhos são feitos de raiva e os políticos não ameaçam a vida, a nação e a família;
Transforme nosso ódio estéril em sátiras reacionárias e nos jogue em valas uniformes para que de nossa carne nasçam diabos na hierarquia celeste."
Ó pai, a dor nos adoece por dentro; nossos hospitais são depósitos de mágoas e a espera decompõe a calma em nossa alma.
E para onde havemos de descarta-la, ó sombra enegrecida, se não na pele dos que espelham nossas falhas mais íntimas.
Purifica-nos, ó pai, e nos exorciza da incompreensão que sonda nossas almas.
O descaso consome nossa carne e expõe nossas fraquezas no açougue da vida.
A zona Sul é um universo preso em uma casca de noz - núcleo avulso e sombreado pela rigidez frágil do tempo -
Os corvos de São Paulo não voam para o Sul; os tucanos necrófagos expurgam suas doenças no Sírio Libanês.
No fundo de nós as memórias despertam; palavras recalcadas libertam pensamentos e atestam nossos dias queimados no sono do esquecimento.
- Letícia Sales
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