Brasil, qual é o teu negócio?
Mostra a tua cara, quero ver quem paga a conta
Desta festa podre, de gente fétida exalando grife
Os guardanapos estão sempre limpos
Não há rabiscos, nem desenhos,
Nem um verso, nem bilhetes de amor
Os garçons que me servem estão uniformizados
Até seus cumprimentos são superficiais e padronizados
Não há espaço para uma troca de ideias
Eu sou artista, estou do lado do povo
Eu vejo a hipocrisia dos que ignoram o vendedor de chicletes
Essa burguesia fede
Enquanto houver burguesia
Impossível haver poesia
Faz parte do meu show fazer promessas malucas
Promover ilusões, inventar desculpas
Provocar uma briga e dizer que não estou
Não tenho partido. O meu coração em pedaços é o meu partido.
Se te promovo ilusões, as minhas já se perderam faz tempo
Os meus sonhos foram todos vendidos nesse bazar de hipocrisia
Meus heróis, se não morreram, perderam a voz
Resta o ato heroico do homem bom
Que por amor, assassinou uma flor
Um crime que justifica
A ideologia de quem encontra a sua metade
E não quer morrer só
Às 7 da manhã vejo o Cristo da janela
Faço o Sinal da Cruz antes de ir para a fila do ônibus
E meu único desejo é voltar ao final do dia
Esse Cristo que me olha lá de cima de braços abertos
Parece cego às balas, à fome, ao descaso e ao vírus
Que embarcam tantos, num sempre lotado trem para as estrelas
Brasil, qual é o teu negócio?
Mostra a tua cara! Dignifica essa gente que sonha em espécie,
Mas que não sabe o que é uma vida fácil.
Pra quê mentir? Usar um codinome?
Eu não quero ser chamado de bolsista, assistido, periférico
Eu tenho um nome: sou um trabalhador, eleitor, pagador e miserável.
Sou o seu patrão
Ignorado e obrigado a prender o choro.
Me acha exagerado? Vem e vê!
Meu destino nunca foi traçado em consultas, ultrassons e maternidades
Meu destino atravessa qualquer rua e para na frente do sinal pedindo ajuda
Adoraria um amor inventado
Mas não tenho tempo nem pra fantasiar uma paixão
Desenfreada é a minha vida rumo ao fundo do poço
Dias sim, outros também
Eu vou sobrevivendo todo esfolado, sem oportunidade
Esperando alguma caridade, pode ser até de quem me detesta
Sou forte, sou por acaso, só mais um cara
Mas se pensa que estou derrotado, anota aí:
Ainda estão rolando os dados e o tempo, meu amigo...
O tempo não para!
É assim mesmo: na teimosia nos tornamos brasileiros.
Desse bagaço de ser humano que sou,
Eu só queria a sorte de um amor tranquilo
Ser e ter pão, ser água pra matar a sede de alguém na minha saliva
Queria ter um unguento, algum remédio
Que me desse um pouco de alegria
E transformasse meu tédio em melodia
Viver é bom, se pra cada partida há uma chegada
Se há comida e água para estancar a fome e a sede
Se a gente encontra alguém para corresponder ao amor da gente
Mas pelo que vejo, as possibilidades de uma felicidade genuína
São muito raras, pois são egoístas
Escondem as flores e espalham dissabores.
Brasil, qual é o teu negócio?
Mostra a tua cara! Aos filhos de Ghandi, aos filhos de Cristo
Aos filhos da pandemia, aos filhos órfãos, aos pais sem seus filhos.
*Escrito em homenagem a Cazuza para o sarau do coletivo O Ato de Escrever
Imagem: Gustavo Barreto (@barreto_grafitte)