Poética - Kali
"Antes mesmo do mundo começar a sucumbir em suas contradições, a terra estremecia sob os meus pés enquanto eu queimava em minhas próprias chamas só para ressurgir das cinzas de quem um dia acreditei ser."
No eterno devir, a minha alma
canta enquanto o mundo esfarela em seu prelúdio febril.
Na cólera celeste, as nuvens inflamam em tempestivas lesões acumuladas pelo tempo (...)
E o líquido que por fim perfura a terra, é rubro e infeccioso, como uma praga que esteriliza o solo da vida.
"Ah, sob o mesmo fluxo, ao pungir um apedeuta, o sangue jorrado de suas têmporas estupra a terra e prolifera a morte através da ignorância.
E de que outro modo os idiotas se proliferariam se não pela sangria dos pensamentos que violam o cerne da vida?"
Ó pensamento oco e resignado, eu já te desprezo e corto-lhe a infame conclusão que te sustenta.
Desde das auroras da história, os homens penetram os segredos da natureza e a abandonam nua para morrer em seu vazio.
E desde os primórdios da vida, a diversidade humana é silenciada em fogueiras talhadas pela eugenia.
Enquanto o mundo é engolido pela mais tenra procriação do caos.
Eu sorvo o sangue dos apedeutas antes que ele regue a intolerância por sobre as raízes da terra colonizada.
Sou uma alegoria para as formas largas, autênticas e incontidas da formação humana. Sou a mãe natureza em sua forma mais dúbia e selvagem (...)
Sob os meus pés, eu esmago os hábitos e instituições que agonizam a existência no sangue da liberdade.
E pisando esse chão, talvez ele se humanize ao sorver os movimentos que tangem as expressões mais íntimas das nossas almas.
E moldando essa terra, talvez se formem vidas provenientes da mesma carne e do mesmo flanco.
- Letícia Sales
Instagram literário: @hecate533