Semana em chamas
Asfalto desgastado
Ondulações disformes
Acentuadas pelo reflexo do sol
A quentura cintila
As ruas falsamente flutuam
Minhas pálpebras cansadas
Procuram o transporte público
Nada à vista no trânsito
Sequência de prédios idênticos
Casas imensas no centro
Alternadas por barracos
Placas com promoções
Preços que na minha casa são luxo
Pequena distância do ponto à porta
Desespero dobra a cada homem visto
Cadeados e trancas são portos-seguros
O corpo reclama, o sono foge
Deslizo pela cama
Os lençóis me abraçam
Mas a insônia chama
Pesadelos frequentes
Uma dose no boteco da esquina
Ludibriei os diabos da minha psique
Oferecendo um banquete alcoólico
Cinco horas da manhã
O grito do despertador
Atiçou minha ressaca
O dia-a-dia do labor
Martelou ainda mais a dor de cabeça
Deu até saudades das doenças
As mais comuns entre os trabalhadores
Folga por atestado médico
As quatro paredes do desespero
Esperam-me no final de semana
Minha casa, minha condenação
O encontro comigo mesma
A morte como perdição
Refeições as mesmas de sempre
A TV não dispersa minha atenção
As paredes esburacadas me sufocam
Eterno domingo de finados
Recheado de livros empoeirados
Temporal de cinzas pela janela
Ciclos semanais de pura melancolia
Registrados nos meus cadernos velhos
Palavras escritas ultrapassaram as linhas
Folhas sujas por outros goles descontrolados
Fugiram... não caíram na minha boca.
Referência: MENDES, Lavínia de S. A. Semana em chamas. Desenredos, Teresina - Piauí, p. 14 - 15, 20 mar. 2021.