PELO FÉRETRO SOCIAL
Morreu mais um.
Cadáver estatístico
Dum ser inominável.
Morreu mais um e mais um...
Jovem criança,
Velho ainda mais envelhecido
Dum ancião abandono.
Mais um morreu, sem sequer nascer
Vítima de morte da vida ainda viva.
"Já que vai morrer
que morra com dignidade"
Doou assim
a consideração discursiva,
O dono gestor das vidas
às sobrevidas só aparentes.
E soou o sino do agradecimento coletivo.
Como palmas efusivas à morte que dizima.
Morreu mais um,
de múltiplas causas.
Mais uma vítima perene e invisível
de todas as fomes insaciáveis.
Morreu insondavelmente
Sem chão, mudo dum mundo premente.
Tombado, sem lápide...
Morreu abatido, frio e febril
De todas os velhos vírus replicados
das crônicas infecções invisíveis e
inominadas.
Dos infectados palácios
que sugam o ar do todo.
Há pandemia de epitáfios vazios.
Covas que nada têm a contar
quanto ao êxito das vidas.
Chora a terra vermelha amiúde
seu sangue perdido aspergido devagarinho
no tempo ido tão anônimo...
Quanto o sem ser e sem sentido.
Morreu tanto quanto
o que mata no silêncio,
esquecido.
Morreu mais um e mais um...
Ninguém sabe ao certo quantos
Nem de que...se morre.
Mas a poesia sempre sabe
e verseja!
Todo os porquês que derrubam vidas e coroas.
E...pergunta:
Como se atestar a causa mortis precisa
Duma terra a debalde do todo,
Diante de tantas comorbidades sociais
Nunca diagnosticadas?
Morreu-se por excesso de impunidade
Ou por déficit de imunidade?
Por que morreu?
Ou ambas fonéticas morreram juntas
na insistente rima vazia do nada?
Por aqui se morre de todas as causas
Prováveis e improváveis.
Possíveis e impossíveis.
Se morre quase a revelia
Não fossem a obediência resignada,
e a desobediência abobada:
Mais uma tragédia consumada.
Um lugar onde se morre
de todas as causas múltiplas
A se morrer várias vezes de novo...
e do mesmo.
Acaba de morrer mais um...
de morte recrudescida.
Como?
E passou despercebido, eu sei.
Notícia tão velha quanto morta
Que já sela o sentimento dos sentidos.
Ouvi dizer que se foi a espera de vida.
Morreu por teimosia de esperar.
Esperou por oxigênio, por ar,
por sangue,
Morreu sem seiva
a qualquer possibilidade de vida.
Mais uma cova
Rasa como as vidas...
Por ora se abre num chão de ninguém.
Féretro social.
E toda a vida morta ainda faz uma oração.