A fome chamou meu nome
- Moço, você pode pagar esta fruta pra eu comer?
Me mostrou um saquinho com uma manga madura... Ela já havia consultado a todos da fila, cada um resmungou algo ou fez sinal negativo com a cabeça, máscaras a postos contra Covid19 e para afastar qualquer possibilidade de intimidade.
A fome tinha a cara, os olhos e a cor de minha mãe. Rosto arredondado, olhos tristes e pele empalidecida pela desesperança e desnutrição.
- Sim. – respondi, por trás de minha máscara, com o devido cuidado para manter uma distância segura. Mas a proteção contra Corona Vírus não diminuiu minha proximidade com aquela senhora de sessenta e poucos anos, um pouco mais baixa que eu, roupa desbotada, sandálias havaianas nos pés empoeirados. Uma bolsa surrada pendurada no cotovelo direito, uns saquinhos com comida na mão, os olhos caçando quem lhe pudesse pagar outra coisa para alimentar seu dia, talvez o último.
Fiquei pensativo, triste, comparando minhas compras (queijo, pães, bacon, refrigerante, cereais) com o saquinho com uma manga madura dentro... meus olhos se apertaram, senti um incômodo que circulou meu corpo inteiro, um lapso de memória ligando aquela cena com as lembranças de minha mãe de mão levantada, de porta em porta, me arrastando sob o escaldante sol de 40º pelas ruas empoeiradas de Jequié, durante toda minha infância e adolescência. Meu peito apertou e me segurei firme.
Paguei primeiro a compra daquela senhorinha. E fui para adiante do caixa do mercado, para tentar lhe entregar em mãos. Aproveitei para passar umas cédulas, escondidas dos olhares curiosos. Comentei com a moça do caixa, após concluir a compra e pagar com cartão de crédito:
- Minha mãe sustentou oito filhos pedindo de porta em porta. Eu conheço os olhos da fome e como é dolorido e vergonhoso para quem pede.
Ela deu um sorriso discreto, não esperava que um rapaz de pele clara pudesse ter tido uma vida daquelas. Provavelmente era um desses metidos que tenta se passar de bonzinho em público para justificar sua vida medíocre e sem emoção. E seguiu o baile.
Caminhei para o estacionamento, coloquei as coisas no carro, entrei e desabei chorando por vários minutos... só consegui escrever dias depois.
- Moço, você pode pagar esta fruta pra eu comer?
Me mostrou um saquinho com uma manga madura... Ela já havia consultado a todos da fila, cada um resmungou algo ou fez sinal negativo com a cabeça, máscaras a postos contra Covid19 e para afastar qualquer possibilidade de intimidade.
A fome tinha a cara, os olhos e a cor de minha mãe. Rosto arredondado, olhos tristes e pele empalidecida pela desesperança e desnutrição.
- Sim. – respondi, por trás de minha máscara, com o devido cuidado para manter uma distância segura. Mas a proteção contra Corona Vírus não diminuiu minha proximidade com aquela senhora de sessenta e poucos anos, um pouco mais baixa que eu, roupa desbotada, sandálias havaianas nos pés empoeirados. Uma bolsa surrada pendurada no cotovelo direito, uns saquinhos com comida na mão, os olhos caçando quem lhe pudesse pagar outra coisa para alimentar seu dia, talvez o último.
Fiquei pensativo, triste, comparando minhas compras (queijo, pães, bacon, refrigerante, cereais) com o saquinho com uma manga madura dentro... meus olhos se apertaram, senti um incômodo que circulou meu corpo inteiro, um lapso de memória ligando aquela cena com as lembranças de minha mãe de mão levantada, de porta em porta, me arrastando sob o escaldante sol de 40º pelas ruas empoeiradas de Jequié, durante toda minha infância e adolescência. Meu peito apertou e me segurei firme.
Paguei primeiro a compra daquela senhorinha. E fui para adiante do caixa do mercado, para tentar lhe entregar em mãos. Aproveitei para passar umas cédulas, escondidas dos olhares curiosos. Comentei com a moça do caixa, após concluir a compra e pagar com cartão de crédito:
- Minha mãe sustentou oito filhos pedindo de porta em porta. Eu conheço os olhos da fome e como é dolorido e vergonhoso para quem pede.
Ela deu um sorriso discreto, não esperava que um rapaz de pele clara pudesse ter tido uma vida daquelas. Provavelmente era um desses metidos que tenta se passar de bonzinho em público para justificar sua vida medíocre e sem emoção. E seguiu o baile.
Caminhei para o estacionamento, coloquei as coisas no carro, entrei e desabei chorando por vários minutos... só consegui escrever dias depois.