Mote do poeta: cante o que eu sinto, poeta!

Cante o que eu sinto, poeta!

que eu sinto e não sei cantar.

Poema em "mote alheio" da Literatura de Cordel:

Glosado (ou desenvolvido) por Valdir Loureiro.

Contém 15 décimas: cada estrofe com seu título e subtema diferente.

1) Por favor

A Você, que é repentista,

poeta e bom cantador,

vou lhe pedir um favor

como sentimentalista —

pois o seu gênio de artista,

com certeza, vai mostrar

um jeito de terminar

minha canção incompleta:

Cante o que eu sinto, poeta,

que eu sinto e não sei cantar.

2) Expectativa de pacificação

Até quando vamos ter

de recitar poesia,

com anseio de algum dia,

ver o Homem se entender.

Você pode preencher

essa lacuna ao tocar

a viola e praticar

sua “arte predileta”.

Cante o que eu sinto, poeta,

que eu sinto e não sei cantar.

3) Lembrança "junina"

Gosto de “festa junina”

com barracas pelo chão;

com fogueiras de São João

e a quadrilha nordestina;

“do Santo a quem a menina

pergunta se vai casar...”*;

do casal que conversar,

segurando a bicicleta.

Cante o que eu sinto, poeta,

que eu sinto e não sei cantar.

*Santo Antônio (casamenteiro).

4) Paixão pelo Futebol

É alegre o “futebol”

com o calor da partida

mais o grito da torcida

que faz ola* e caracol.

É bonito o pôr-do-sol

e a noite que vai chegar

pra torcedor festejar

um gol que faz o atleta.

Cante o que eu sinto, poeta,

que eu sinto e não sei cantar.

*Ola (substantivo feminino). Lâmina de ouro que imita folha de palmeira.

5) “Olhar pela janela”

Não gosto da indiscrição

de gente das Capitais

que faz pergunta demais

durante a conversação.

Quando está em reunião,

é capaz de atrapalhar

a conversa — pra jogar

uma pergunta indiscreta.

Cante o que eu sinto, poeta,

que eu sinto e não sei cantar.

6) Decepção eleitoral

Por favor, cante o sofrer

do “jovem desempregado”

que se sentiu enganado

pelos homens do poder:

votou neles por querer

emprego (pra trabalhar),

mas vê mandato passar

sem alcançar sua meta.

Cante o que eu sinto, poeta,

que eu sinto e não sei cantar.

7) Convivência politiqueira

Politicamente um partido

apunhala o seu rival

que tem força eleitoral

com o poder dividido.

Mas, se estivesse unido,

não daria o que falar;

poderia até quebrar

o punhal com que espeta.

Cante o que eu sinto, poeta!

que eu sinto e não sei cantar.

8) Monge sem religião

Gosto de ficar sozinho

“no quintal” da minha casa

onde não piso na brasa,

uma pedra nem espinho.

Esse canto é como ninho

que serve para eu morar,

onde os pássaros vêm cantar

e uma acerola vegeta.

Cante o que eu sinto, poeta,

que eu sinto e não sei cantar.

9) “Nenhum homem é uma ilha.”*

Às vezes, acompanhado,

estou em “concentração”.

No meio da multidão,

também me sinto isolado.

Mesmo assim tão concentrado,

não poderei concordar

com a ideia de morar

dentro da Ilha de Creta.

Cante o que eu sinto, poeta,

que eu sinto e não sei cantar.

* Título opcional: Perdido e achado, em abstração.

10) “Olhai as aves do céu.”*

Ouço com muita leveza,

nos horários matinais,

a cantiga dos “pardais”,

que alegra a Natureza.

Sinto mais essa beleza

quando me vou levantar

até ver pardal voar,

fazendo curvas e reta.

Cante o que eu sinto, poeta,

que eu sinto e não sei cantar.

* Parodiando a frase de Érico Veríssimo:

“Olhai os lírios dos campos”.

11) Ligação no Universo

Segundo a Filosofia*,

“...tudo está interligado”.

Nada existe separado,

quando a Natureza cria.

Um mestre “zen” já diria:

o poeta há de pensar

na nuvem que vai pairar

sobre a planta que vegeta...

Cante o que eu sinto, poeta!

que eu sinto e não sei cantar.

* Cf. Jornal O Povo, 3 jul. 2005, ano IV, n. 835 Suplemento (Caderno Buchicho) Zen %: “O que é Zen?!” por A. Ramyata. (site: buchicho@opovo.com.br)

12) “Adote uma árvore.”*

Como é bom o “juazeiro”,

que dá muito benefício!

Serve como dentrifício

e dá sombra ao boiadeiro;

de juás, é um celeiro;

tem casca pra ensaboar;

quem ao seu pé descansar,

se deita, dorme ou se aquieta.

Cante o que eu sinto, poeta,

que eu sinto e não sei cantar.

*Alusão ao slogan de proteção ao meio ambiente que tem a frase “Plante uma árvore”.

13) Moderação diplomática

Considere o “diplomata”,

que vive no Exterior:

conselheiro, embaixador;

à questão, ata ou desata.

Com a sua fala sensata,

procura negociar.

Engana-se quem pensar

que ele é portador pateta.

Cante o que eu sinto, poeta,

que eu sinto e não sei cantar.

14) Musa inspiradora

Pense na Mitologia,

na montanha do Parnaso*:

diga lá, conforme o caso,

cada musa, o que fazia;

e como vive hoje em dia

cada mito do lugar;

se vale a pena pensar

na musa sem ser concreta.

Cante o que eu sinto, poeta,

que eu sinto e não sei cantar.

*Parnaso: Montanha da Fócida (Grécia antiga) consagrada a Apolo e às Musas.

15) Um feliz, outro lamenta

Fale bem do passarinho:

é feliz com o que tem,

comendo o pouco que vem

achado fora do ninho —

enquanto o rico mesquinho,

no palácio onde morar,

passa a vida a reclamar

da mesa farta e completa.

Cante o que eu sinto poeta,

que eu sinto e não sei cantar.

Valdir Loureiro

23/01/2021 15:13 - Jacó Filho

OUVINTE DISTRAÍDO///

Num festival, muitos repentistas,/ Duelando em estilos diversos,/ Rimavam sentires inconfessos,/

Dando aos ouvintes, mil pistas./

Mas ninguém iria desconfiar,/

Que naquela hora mais incerta, Alguém poderia nos intimar:/

Cante o que eu sinto poeta/

Que Eu sinto e não sei cantar./// Parabéns! E que Deus nos abençoe e nos ilumine... Sempre...

Comentário em verso de Jacó Filho

06/02/2021 02:45 - Stelo Queiroga

Encontrei um cantador...

versado em filosofia...

que faz da vida poesia...

converte o espinho em flor...

com esmero e muito amor...

eleva o verso ao altar...

vem pro Recanto encantar...

com sua verve completa...

cante o que sinto, poeta...

que eu sinto e não sei cantar...

Comentário em verso de Stelo Queiroga