Banzo
Quando um corpo preto morre
O que você sente:
Ódio ou amor?
Quando o sangue rubro escorre
O que você sente:
Culpa ou pavor?
Testemunhas de crimes brutais
Meus olhos pretos miúdos
Contradizem a carne preta moída
Derramada em lágrimas ancestrais
A chaga aberta à foice
Revela a alma e a ferida
O banzo afoga meu peito em infinito pranto
Enquanto sobrevivo a mais uma noite
Por aqui ter a pele tingida de preto
É chorar dias infinitos de poesia,
A dor do flagelo e também da travessia
É perder o reinado e morrer mais um pouco por dentro
Olhares que rasgam meu corpo
Deixando a autoestima em desuso
Parecem navalhas cortando os pulsos
Refletindo o lado humano exposto
Quando um corpo preto morre
O que você sente:
Ódio ou amor?
Quando o sangue rubro escorre
O que você sente:
Culpa ou pavor?
Tenho medos vívidos
Por detrás da pele preta ávida
Sedenta por liberdade híbrida
Corro feito leopardo rápido
Nas savanas dessa São Paulo úmida
Que insiste em tornar meu corpo gélido
Deitado em cama fétida
E ser enterrado sem direito à pátria
Mas eu não desisto, renasço
Olho a vida por entre frestas
Driblo a dureza do racismo
E entre gritos e poemas, me refaço
Sou o luar que a tudo ilumina
A esperança que no céu brilha
O machado que talha a vitória
O corpo preto vivo e a memória
Sou o sangue rubro que escorre
A carne moída barata
O chão de barro pobre
E a centelha de vida abençoada
Quando um corpo preto morre
O que você sente:
Ódio ou amor?
Quando o sangue rubro escorre
O que você sente:
Culpa ou pavor?
Eu sinto muito
E sinto tudo!