Rapariga de Miramar
Eu vejo quando tu passas,
Em vagaroso bailar,
Não parece que tens pressa,
Ou compromisso urgente,
Aproveitas a tarde morna,
De um dia que foi quente,
Não tens o corpo dourado,
Tens outros predicados,
Não usas tanga de Lycra,
Teu vestido estampado,
Traz as cores de tua Pátria,
És filha de Quimbundos,
Muitos foram pr’outros mundos;
Noutros mundos desde outr`ora, se puseram a gerar,
Quem saberá agora,
Quantos parentes tens lá,
Misturados a outras cores,
Vermelhos, amarelos,
Mestiços, alvos,
A civilizar bárbaros partiram,
Livres, cativos,
Além-mar paristes,
Tesouros que hoje cantam,
Noutras línguas, noutros lugares;
Rapariga de Miramar,
Doaste teus genes gemendo de dor e prazer,
Gerastes filhos que sequer pudestes ver,
Uns natimortos, outros mortos ao nascer,
Mas não poucos sobreviveram,
A encantar os poetas embriagados,
Que nem de longe se lembram de ti,
Ao ver passar um corpo dourado.
Em homenagem à minha bisavó Valentina que viveu estas agruras e às mulheres negras de todos os lugares.
vocabulário:
rapariga: menina moça
Miramar: bairro de Luanda-Angola
Lycra: tecido sintético