DO QUE LEIO COM OS OLHOS...
Pouco leio no papel
Porque à poesia não se permite estática ao sentimento.
Meu voo é amplo
E se dá pelos olhos.
Acidamente cinética
Minha poesia é inestética
Segue por aí...
Na cinestesia das luzes
Dentre toques e gemidos.
Ninguém ( nem nada!)
Me corta as asas do enxergar
O que ainda sequer foi escrito.
Mas...
Leio os "scripts" com as retinas cerradas
Perante a fotofobia diante das cenas.
Algo paradoxalmente
Amplio as pálpebras para que o
Diafragma da íris exercite
Sua complacência de enxergar
E não chorar.
Nunca me permito
O constrangimento de me borrar a visão
A ponto de me calar o verso.
Com os olhos,
Leio os pensamentos escondidos
Milimetricamente
Um a um.
Quanto susto!
Ao se enxergar o invisível
Escancaradamente dissecado a céu desnudo de sóis.
A caridade usada como falso instrumento,
A arrogância dissipada nos palcos patéticos,
A vaidade abobada que nada resolve,
O púlpito da fé mercantilista...
Os lucros sobre tantas dores.
Quantas promessas que esvaecem frustradas
Como ventos uivantes do nada
Sobre as intransponíveis montanhas de areia.
Leio todos os olhos a espreita de nós...
Dos parasitas, das bactérias e vírus
Todos...
Em debochados flagrantes
Pelas inércias das horas.
Quantos larápios do principal...
Com mãos esticadas com migalhas
Dos direitos furtados.
E nos versos livres que me surgem
Todas as escravidões de se ser...
Eu as relato libertas de quaisquer algemas.
Leio e verso todos os ocultos dilemas.
Gosto da chuva...
Principalmente batucando na janela do carro
Onde pingos voadores escorregam
Como a vida...
A fazer borrões
Ao que se passa lá fora.
Vidas idas das gentes
Em cenas vis e indigentes.
Rima dura.
Não me enganam aos olhos.
E eu os desafio
Com a navalha da alma.
Sempre abaixo os vidros para ler
O lado de dentro do cenário lá de fora.
Tudo me respinga fundo!
Talvez seja porque
Todos somos cenários interiores
Escorridos nas janelas
Do tempo exterior que nos adentra.
É preciso nos enxergar...para versejar as cenas dos olhos.
Ali, ao meio fio
Não há páginas escritas
Nem amareladas
Como as dum livro esquecido na prateleira...
Por ali...os versos pulsam vívidos
Ainda que desvitalizados.
Eu os leio e os releio quantas vezes for preciso!
Porque ao poema nada passa ocultado.
Leio...
Toda aquela vida impressionista que flui viva
Sempre morta pelas vergonhas.
E morta de Vergonha...
Remonto o título dos poemas que leio...
A céu aberto sempre nublado nos sonhos.
A vergonha de fazer parte dum livro escancarado
Onde tantas vidas comandadas
Nunca foram, tampouco serão escritas...
Muito menos lidas.
Leio...
As histórias inexistentes amassadas ao léu
Grafadas numa rocha de papel
Desprezadas de viço.
Só hieróglifos dos tamanhos desesperos.
Quando, de repente, torno o olhar
Para a alma descansar,
Mesmo sem querer ou planejar...
Eis mais um verso a me gritar.
Seria...para ser lido a implorar?
Então...aceito.
Verso mais um verso
Logo ali...esgarçado de dor
Na próxima esquina apática ao tudo
Feito página de concreto
Em epitáfio dos mundos.
Pouco li...ou leio no papel.
Pronto mister meu
É a todo verso que me chega
Ser lido com os olhos
Dum em tempo real,
E prontamente versejado,
Ainda que dentre pobres rimas
De sinas vazias.
Qual profecia que ninguém lê.